"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

31.10.09

Cantiga

Sozinha no bosque
Com meus pensamentos,
Calei as saudades,
Fiz trégua a tormentos.

Olhei para a lua
Que as sombras rasgava,
Nas trêmulas águas
Seus raios soltava.

Naquela torrente
Que vai despedida
Encontro assustada
A imagem da vida.

Do peito em que as dores
Já iam cessar,
Revoa a tristeza
E torno a penar.

Marquesa de Alorna

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

30.10.09

Burnt Norton

O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro,
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível.
O que podia ter sido é uma abstracção
Permanecendo possibilidade perpétua
Apenas num mundo de especulação.
O que podia ter sido e o que foi
Tendem para um só fim, que é sempre presente.
Ecoam passos na memória
Ao longo do corredor que não seguimos
Em direcção à porta que nunca abrimos
Para o roseiral. As minhas palavras ecoam
Assim, no teu espirito.

Mas para quê
Perturbar a poeira numa taça de folhas de rosa
Não sei.
Outros ecos
No jardim se aninham. Seguiremos?
(…)

T. S. Elliot

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

29.10.09

Onomástica

Se te chamasses Maria
a manhã que se prepara
em ti talvez moraria

ou, se te chamasses Clara
o teu nome despertasse
as luzes do fim do dia
para pintar tua face

mas quis chamar-te Alegria
o mistério de que és filha
e o teu nome apenas brilha
dentro da noite vazia.

Jayme Kopke

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

28.10.09

Carência

Não sei sobre pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que minha solidão deveria ter asas.

Alejandra Pizarnik

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Orquídea

Pra que lado sopra o vento?
Importa saber?
Sei apenas
Que sopra em meu rosto

É uma brisa,
arejado frescor
de orquídea em flor

Não posso mudar
o sentido do amor
que pulsa em meu peito
em todos os pulsos
de minhas veias
e me dão impulso
pra rasgar as teias

E eu gosto
desse gosto
de agosto
em outubro, novembro, fevereiro
o ano todo resumido
num só momento, por inteiro.

Helio Jenné

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Hoje me perco em sonhos,
Enlevos que sempre embalam
Lindos momentos de amor.
E, nessas horas, quem dera
Não fosse apenas quimera
A canção do beija-flor.

Ada Pollara

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Sem esperas

Se perguntares
como,
eu ficarei calada

Se perguntares
quando,
eu talvez diga
já...

Geir Campos

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Algodão Doce

Doce...doce...
Doce de algodão doce.
como nuvem branquinha,
como espuma do mar.
Menina de trança comprida,
com fita branca a enfeitar.

Ah! Foi só lembrança.
Saudade da minha infância,
que veio com a brisa,
feito doce...doce...
Doce de algodão doce.

Maria Flor

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

27.10.09

Imprevisível

Quero ser
fogo que queima...
chama que arde
e alguém
que ninguém sabe
onde encontrar,
às 3 da tarde...

Luna

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Se eu pudesse (d)escrever as horas dos meus dias, saberias de mim aquilo que não digo. Tudo o que nem as palavras que ouves te dizem porque a verdade completa fica comigo. As minhas horas formam uma cadeia quase sem surpresas, repleta de actos, de obrigações, das alegrias e tristezas de uma existência comum. Dizer-te que, quando as horas me trazem a tua lembrança, o dia muda a cor e algo canta em mim melodias inesperadas é, talvez, dizer-te de mais. Ficarias a saber segredos meus, em cada canção está um guardado. Terás que adivinhar os segredos das minhas horas. Das muitas horas da minha vida. Neles está a chave para o conhecimento de mim. E quando me souberes totalmente, podes partir porque já levas contigo a eternidade do amor.

Alice Daniel

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
A minha vida é poética:
Paira entre a vaga mentira e a realidade.
O amor me acontece
Como as folhas às árvores,
E tão singularmente,
Que já nem sei se é natural à árvore ter folhas
Ou estar nua...

Ana Hatherly

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Se fosse dia Amor e o espinho rebentasse
da terra dos claros olhos da terra

e fosse espinho em silêncio no meio
das palavras e as palavras doessem

no lugar dos dedos onde a lisura da pele
estoura em rocio sob o casco dos cavalos

ah se fosse silêncio entre a carne
e o espírito e a flama cobrisse os lábios

e os nervos atrelassem ao sol as coisas
e elas ardessem na língua do mundo

eu te apertaria Amor contra uma nebulosa
e te extrairia da boca de Deus

quando Ele te soprou para a morte
em meus braços em meus braços cobertos

do musgo de mil outros braços.

Armindo Trevisan

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

26.10.09

Nocturno

Devagar, devagar... A noite dorme
e é preciso acordar sem sobressalto.
Sob um manto de sombra, denso, informe,
o mar adormeceu a sonhar alto.

Devagar, devagar... O rio dorme
sobre um leito de areias e basalto...
Malhada pela neve a serra enorme
parece um tigre a preparar o salto.

E dorme o vale em flor. Dormem as casas.
Nenhum rumor. Nenhum frémito de asas.
Nada perturba a noite bela e calma.

E dormem os rosais, dormem os cravos...
Dormem abelhas sobre o mel dos favos
e dorme, na minha alma, a tua alma.

Fernanda de Castro

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Cinzas da sanidade

Varro o chão
Onde caíram as palavras comportadas
Que por entre dedos gélidos
De minhas mãos rudes
Deixei escapulir, por obstinação.

Junto-as e cremo-as.

As cinzas, entrego-as ao vento;
Leve-as ele para bem longe de mim,
Fantasma que são
Do poema reto
Que não me permiti consumar.

Não lapido as palavras.
Não destilo as palavras.

As lapidadas,
Deixo-as aos jovens apaixonados.
As destiladas,
Aos que delas se tornaram amantes incorrigíveis.

Quero-as selvagens,
Cheias de quinas e fios,
Cheias de doenças e vícios,
Para que quando brotarem de dentro de mim
Rasguem-me a carne,
Contaminem-me o sangue
E façam-se poemas tortos:
Eles me conferem vida intensa.

Não quero, pois, o poema da breve paixão,
Nem o da paixão amancebada:
Eu vou é me casar, para sempre, com o Cântico Negro.

Oswaldo Antônio Begiato

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Pássara

Desperta-me leve rumor de asas. Talvez seja apenas
um novo voo da ave que me habita, a irromper a madrugada
de onde venho, para ganhar o azul do azul!
E a pássara liberta do fundo do meu corpo-cárcere ao
alçar predestinado voo, alcançará o espaço adivinhado para
encharcar-se de vida-luz, sol-amor-nascente.
Sobrevoará a névoa da cidade, os rios em que deságuo
minhas fontes, irá além dos meus limites verticais, para
encontrar-se, serena ave-ávida, pousar em outra praia horizontal
e calma, de areias, ventos, dunas e poesia: encontro com a face
de minha alma!

Maria Lucia Nascimento Capozzi

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Mudança

Estou empacotando velhos brinquedos
Quebrando os medos
Abrindo antigas gaiolas
Absolvendo discórdias
Que moravam dentro de mim

Não que isso seja o fim...
É apenas começo

Não me interessam mais essas velhas peças
Que decoraram meu castelo
Nem mesmo os velhos chinelos
Que arrastei pelo chão

Quero tudo novo!
Até um sol diferente
Quero algo muito mais quente
Do que tive até aqui

Ta vendo essa bela casa?
Eu que fiz...
Decisão a decisão
Passo a passo
Pedra a pedra

Hoje saio daqui!
De velho... Só levo meu coração
Mas até ele a partir de hoje
Baterá diferente
Só olhará pra frente
E viverá só de luz

Victtoria Rossini

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Janela sobre uma mulher

Essa mulher é uma casa secreta.
Em seus cantos, guarda vozes e esconde fantasmas.
Nas noites de inverno, jorra fumaça.
Quem entra nela, dizem, não sai nunca mais.
Eu atravesso o fosso profundo que a rodeia. Nessa
casa serei habitado. Nela me espera o vinho que me
beberá. Muito suavemente bato na porta, e espero.

Eduardo Galeano

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Sofismas

Às vezes
eu sou chuva
e escorro pelas valas
da desilusão.

Às vezes
sou vento
e percorro alamedas
inutilmente.

Por que sou chuva?
Por que sou vento?
Por que reclamo poemas?
cânticos tão verdes?
se já sou inverno
a entoar hinos de hosana
entre folhas secas
pisadas
machucadas demais
para inventarmos outra igual.

Alvina Nunes Tzovenos

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
gêmeas

alegria e tristeza nasceram juntas
uma gostava da luz a outra gostava das trevas

riram
choraram
cresceram
envelheceram

: alegria morreu primeiro

Líria Porto

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

23.10.09


Olá!!!
Esse blog está passando por mudanças... Estou postando imagens nos textos... Aos poucos ficará pronto... E seguirei compartilhando imagens e textos... Que não são meus... Mas pertencem a quem se identifica...

Obrigada pela visita... E não deixe de comentar...
Beijos meus, com carinho!
Helena
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

22.10.09

um quarto, o mar ao fundo
e muito além
(transpostas as ondas)
a morna respiração da manhã
desabando sobre os campos

amei
lembro-me que amei
e a angústia de ter amado tanto
dói como um segredo revelado

que me devorem as lembranças
pois amei, sim
cada instante

amei tanto
que deixei minha alma estendida sobre a cama
sem ao menos perguntar
se haverias de querê-la presa,
junto à tua,
naquele quarto, o mar ao fundo.

Sergio Ornellas

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Narciso e a xícara de chá

Olhava para a xícara de chá em minhas mãos
sentia um delicado odor
assim
de folha

quando parei
e cheguei a me assustar
com a face que ali estava
a me olhar

na figura refletida
dos contornos de meu rosto
algo tomara o lugar

como se minha face
meio Narciso às avessas
só se visse
com teu rosto
em seu lugar

Eliana Mora

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
À flor da pele

A minha alma está em blue
E quem sabe nesse azul
eu me reencontre
ando tão à flor da pele...

Ardo em febre
de tristeza ou de vontade
de te ver, quem sabe
e minh'alma à flor da pele...

Palavras não bastam
pra descrever o que sinto
absinto na alma
e à flor da pele aflora meu ser

Vontade de ser e de ter
e já não sei
se me exponho ou me fecho
alma em flor pele em cio

Não sei se me revelo ou calo
se silencio ou se falo
se guardo em mim esse amor
pele em cio alma em flor

Eu ando tão à flor da pele...

Ariadna Garibaldi

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Lembro-me tão bem:
lembro-me da forma
como me tocaste o rosto
com as pontas dos dedos
e me beijaste numa carícia
de pétalas vermelhas.

Lembro-me tão bem:
lembro-me de acordar
e sentir-te ainda, desejar-te
ainda, e fechar os olhos
e tentar adormecer e
não, não, não conseguir.

Lembro-me tão bem
lembro-me tão bem
da forma como te sonhei.

Luís Ene

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Hoje
como quase sempre
visitou-me a saudade
e eu decidi ficar
detrás da janela
pensando em ti...

tentando resolver
o enigma:

De quantas formas
te posso não dizer
que te amo?

Concha Rousia

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
... querias-me assim como eu te queria. Eternamente. Que era o mesmo que dizer, enquanto durasse. O nosso eterno era o momento, pleno, e não havia promessas feitas ao entardecer. O que dávamos estava em todos os gestos, em todos os olhares, no encontrar dos corpos. Nada de planos para o futuro, nada de palavras vãs para encher o vazio. Não existia o vazio...

Ana Teresa Silva

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Sonho

Me sinto,
um barco perdido
a procura do cais
a cada nova aurora
ao sentir
o sopro do vento,
ali estou, envolta em
um cobertor de sonhos...
querendo ver
o mundo suspenso,
nos olhos dos meus desejos...
e quem sabe ao anoitecer
o cobertor seja de beijos.

Cláudia Gonçalves

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Despede-te de mim, bate devagar à porta: tenho vontade de recomeçar, reerguer escombros, ruínas, tarefas de pão e linho, não dar nome às coisas senão o de um vago esquecimento, abandono. Despede-te de mim como se a vida recomeçasse agora, não me procures onde a memória arde e o destino se ausenta. Tudo são banalidades, afinal, quando assim se recomeça e a vida falha como um material solar e ilhéu. Levamos poucas coisas, basta um pouco de ar, os objectos fixos, em repouso, os muros brancos de uma casa, o espaço de uma mão. Arrumo as malas e os sinais, aquilo que nos adormece em plena tempestade.

Francisco José Viegas

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

21.10.09

Apelo

Atravessa os campos da noite
e vem.

A minha pele
ainda cálida de sol
te será margem.

Nas fontes, vivas,
do meu corpo
saciarás a tua sede.

Os ramos dos meus braços
serão sombra rumorejante
ao teu sono, exausto.

Atravessa os campos da noite
e vem.

Luísa Dacosta

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Leveza

Hoje, vejo-me caminhando de mãos dadas com a vida.
E, em um pequeno trajeto, se me lembro das escolhas,
percebo-me desvendando das folhas, as cores e enigmas.

Deixo rastros de flores no ar.

Ah! Mas quanta ousadia andar assim... pisando em poesias.

Rita Costa

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Sou feita de dias seguintes
Do dia seguinte ao dia do baile
Onde tudo é calma, silêncio e tranquilidade
Do dia seguinte a uma noite de amor
Quando acordo plena de céus e de estrelas
das tuas mãos e do teu cheiro
Do dia seguinte a uma noite ensolarada
Onde tudo é lua
e me sinto inteira, lua cheia, prateada, brilhando
Sou feita de vésperas e dias seguintes,
Da expectativa que a véspera que faz
E da realização que o dia seguinte me traz.

Karla Julia

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
camuflagem

hoje, sexta-feira
estou mais ativa
fim de semana recebo visitas
com essa cara
de paisagem futurista

segunda, dia de pasmaceira
desfaço a maquiagem
e volto a ser eu lesma

arrastando pela casa
essa minha natureza-
cinza

Valéria Tarelho

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
desobrigação

abro mão da obrigação
de ser feliz na sexta
à noite

de sair copo a copo
corpo a corpo
bar em bar

basta-me um pouco
de quietude de
silêncio

o balanço da cadeira
na penumbra da
varanda

( copo de vinho solo
de jazz quinteto de
mozart )

a noite azul qualquer
estrela alguma
lua

e a lembrança da tua
boca das tuas mãos
como arrepio
em minha pele

Márcia Maia

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Encantado

Sou uma espécie de pássaro encantado que não aceita gaiolas nem qualquer tipo de prisão. Minha mágica está justamente no bater de asas que se douram pertinho do sol e o meu maior prazer é ir e vir quando o coração, minha única bússola, pede...

Liney Gomes

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Serena como o passeio de uma nuvem em dia de pouco vento
terna como o afago de uma criança de colo
silenciosa como um bosque em dia de chuva invernal
bela como uma estrelada noite primaveril.
Assim te vejo da janela de minha casa e durmo com tua imagem
em minhas noites solitárias.
Mas tenho medo de te conhecer, de te ouvir falar a realidade
pode estragar meu amor e então, nunca mais seremos os mesmos.

Jonga Leivas

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
terceiro sol

já fazem dois sóis e quase duas luas que assombra-me esse teu cedo. precisava tanto contar-lhe que, hoje ao entardecer, deixei que meus sapatos ficassem do lado de fora da porta ao entrar em casa. mas que, sem que pudesse perceber, seguiram-me as lágrimas da chuva de fim-de-tarde que molharam o meu cabelo. que buscaram abrigo em meu rosto. que morreram em meu peito. e que, amanhã, no terceiro sol, apronto mais uma vez o coração pra secar na janela.

Flávia Vida

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Sei que gostas de flores,
e tenho as mãos vazias.

Sei que amas o poema,
e já não há mais palavras
disponíveis.

E sei que esta noite dormirás
sobre um segredo de flores:
a primavera se irromperá violenta
de teu corpo
e a manhã se agitará nos teus cabelos
flamejantes.

Gilberto M. Teles

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Perdi-me da alegria. Creio que a deixei esquecida num lugar longe, onde o tempo vive numa sala escura, sem portas, nem janelas. Um dia, sei que tenho de voltar atrás para resgatá-la. Nesse dia, a primavera entrará finalmente na porta do meu jardim e juntas - eu, a primavera e a alegria, partiremos finalmente rumo às cores do arco-íris.

Nadir Zernite

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Sopra-me
que ao de onde procedo
haverei com levezas
de, então, retornar.
Com o calor de teu sopro,
de teu insuflar,
meus versos,
como pelúcias e pétalas,
no regaço das tardes,
no jardim das estrelas,
haverão assim de cair,
haverão de pousar.

Fernando Campanella

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Música triste
desenganado
canto nocturno
a pouco e pouco
vai penetrando
meu coração.

Nocturna prece
ou pesadelo
não sei que sombra
aquele canto
em mim deixou.

Febre ou cansaço?
Não sei! Nem quero.
lúgubre pranto
de roucas vozes
não tem beleza
- só emoção.

É como um eco
de noites mortas
de vidas gastas
ao deus dará.

Mas eu o recebo
dentro de mim.
Entendo. Choro.
Eu o recebo
Como um irmão.

Adolfo Casais Monteiro

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Vento cor-de-rosa

Foi um vento
cor-de-rosa
que passou.

Suave canção
que em minha
memória ficou.

Breve estória de amor.
Não houve culpados
Apenas feridos.

Verluci Almeida

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Como as turbulentas águas
Que descem as ribanceiras,
Sem escolhas,
Na desesperada busca da
Mansidão,
Pela caudalosa vida
Navego,
Na ansiosa busca
Da felicidade.

Gilson Froelich

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Deserto

Esta casa que vês arruinada,
Solitária e deserta no caminho,
Foi outrora de noivos casto ninho
De ilusões e de risos povoada.

E hoje, como fúnebre morada...
Já não conserva o traço de um carinho,
Nem se ouve o trinar do passarinho,
Em seu muro, ao romper da madrugada.

Assim meu coração d’antes repleto
De esperanças e cândidos amores
É hoje como um túmulo, deserto;

E o vergel onde outrora as lindas cores
Das rosas de um porvir risonho e certo
Brilhavam, tem espinho em vez de flores!

Francisca Clotilde

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Neblinas

Quando me derramo em sonhos
Apenas percebo ausências que nunca as tive
Busco tocar com as mãos, sombras, cores e amores
Em quase nada relembro você a não ser em lentidões
Tenho manchas em todo o corpo, em cores difíceis de pincelar
Meu amar se tornou rebelde, e meu sorriso apenas espelho
Remarco os preços do passado e liquido tudo sem entradas
Desmancho as estantes das lembranças, recolho o lixo das mágoas
E torno a buscar o travesseiro caído ao chão.
Recosto nele os pés e me abraço a novos tormentos!
Solidão!
E em novo sonho me torno barqueiro só pra te levar.
Sem nada no silêncio da incerteza,
Nos encontramos partindo para a outra margem.
Longe!
Onde ninguém vê quanta ternura, quanto carinho, abraços e beijos.
Porque sempre desaparece o barco, sob a neblina de todo sonho.

Jaak Bosmans

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Pés de lã

Olha como deixaste
em desordem
o meu olhar!

Agora vais ter
que conservá-lo
em lugar seco,
longe da luz solar.

E ainda,
se assim possível for,
evitar que ele tenha
contatos
com produtos químicos
e voláteis.

Acontece
que um certo par de pés
de uma certa mulher,
bailarina de meus balés,
anda me encantando
sobremaneira.

Por isso vou precisar
de meus cristalinos
sempre cristalinos.

Oswaldo Antônio Begiato

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Frutos da terra

Benditos os filhos do ventre da terra
Que o sol desperta tão cedo,
O trigo e a uva os aguardando no campo
Para o mágico processo do pão e do vinho.

Benditos os frutos da terra
Que se abrem à manhã
Em silêncios e cantos
Que mesclam no ar

E os filhos da paz,
Que ligam o céu ao mundo,
Os que reciclam o dia
E dele retiram sustento e eternidade.

Abençoados os que bendizem,
Os que curam, e que a dor amenizam,
Os que por via de tolerância
Se entendem.

Benditos os que domam a cólera
E se transformam no amor,
Amor que bebe da identidade da vida.

Bendito o sol que amadurece os frutos de terra.
Mais bendita a luz
Por que anseia a noite escura da alma.

Fernando Campanella

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Poeta

Vendilhão de sonhos!
Construtor de templos!
Arquitecto da solidão!
Engenheiro de pontes sem cordas!
Fazedor de versos inversos!
Domador de rimas choradas!
Não! Não acredites no Poeta!
Vagabundo sem profissão!
Mestre de cerimónias e de dizer!
Solitário na multidão!
Mito ou razão?
Tem asas e não voa?
Um coração de pássaro emigrante!
Um irmão! Um amigo! ou um amante!
O Poeta apenas precisa te inventar para te amar!

Luiza Caetano

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20.10.09

Camaleão

a flor da minha pele
cansou-se das horas
as meninas dos meus olhos
exilaram-se no horizonte
desde as plantas dos pés
me desarvoro

trago-me outro
e exalo manhãs.

Héber Sales
Semeadura

depois que suas sementes se espalharam em mim;
flori em todas estações; este brotar que se sente
por todos poros e pelos.
me chamam jardim das canções, cores, aromas e afins.
morei em vasos de cristais, nas mãos dos enamorados,
nos bicos dos colibris. campanários, quintais. corações,
povoados. nas alcovas febris.
nos enraizamos em um só caule; ramificamos por galáxias;
florescemos nos versos. nas hemácias carmesins.
nos sonhos e insônia. nos contos de fadas.
nas bocas amadas ou não.
nos beijos lascivos; na contra-mão
da história, martírio e glória;
dos filhos do sol, dos herdeiros vivos
do tesouro encantado!

Gustavo Drummond
Canção do malmequer...

pétala a pétala
te desnudo
te esmago
te exijo
este amor
que não sei...

mal me quer...
bem me quer...

diz-me
minha flor,

se
me ama o meu amor?

mal me quer...
bem me quer...

eu quero!
e
tu,

malmequer
flor do campo
encontrada
no deserto?

esmago-te
o coração
punhal que mata
e fere
em constante
interrogação...

mal me quer...
bem me quer...

Luiza Caetano
E não havia um nome para a tua ausência!
Mas tu vieste!
Do coração da noite?
Dos braços da manhã?

Dos bosques do Outono?
Tu vieste. E acordas todas as horas,
preenches todos os minutos,
acendes todas as fogueiras,
escreves todas as palavras.

Um canto de alegria desprende-se
dos meus dedos quando toco o teu
corpo e habito em ti e a noite não existe,
porque as nossas bocas acendem,
na madrugada, uma aurora de beijos.

Joaquim Pessoa

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