"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

30.9.12


   Amor total...
 
 Ama-me antes do fim das rosas
 e da apanha das cerejas.
 
 Ama-me nos braços que nos apressam, 
antes de a madrugada se entregar ao dia, 
 antes que as sombras 
 tomem conta das paredes, 
 e o desejo esmoreça. 

 Ama-me antes que as andorinhas 
 rumem a sul, 
 antes da ceifa do trigo, 
 e do entardecer da aurora.
 
 Ama-me como se fosse um poeta,
 um amante em pecado, 
 um intervalo entre dois tempos. 

 Ama-me à meia-luz, 
 na insensatez, 
 na loucura hipnótica das estrofes, 
 na fusão íntima dos corpos, 
 no breu da noite.

 Ama-me… tão só. 

  Francisco Valverde Arsénio 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

29.9.12


 
  Flor de fim   
 
Como saber?   
Se a tristeza é breve   
se a alegria é forte   
se a paz é leve.   
Se a fé rebrota   
no inverno gris.   
Se teus dedos   
na madrugada  fazem meu fim.   
Como saber?  
 Entender tua cor.  
 Como saber?   
Se já não sou.   
Como não ser?  
Se nós somos flor...  

  Leila Krüger

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

26.9.12


 
  Fui eu

Fui eu essa menina que me espia
 - melancólico olhar, sereno rosto, 
postura fixa e o todo bem composto
 - no retrato que o tempo desafia. 
Fui eu na minha infância fugidia 
de prazeres ingênuos, e o desgosto
 de sentir tão efêmera a alegria
 bem depressa trocada em seu oposto.
 Fui eu, sim; mas o tempo que perpassa 
e tudo altera nem sequer deixou 
um grão de infância feito esmola escassa. 
Fui eu: e na figura só ficou 
o olhar desenganado, na fumaça 
em que a criança inteira se mudou. 

  Fernando Py 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

23.9.12


 
  A revelação dos espelhos

Tudo em mim é desânimo, cansaço, 
um imenso desejo de morrer.
 Em minhas faces vejo a cada passo 
o lanho de uma ruga aparecer. 

 A cada riso novo, a cada traço 
que a consciência me dá do envelhecer,
 mais a mais se reduz o livre espaço
 em que um laivo de luz se possa ver.

 No atropelo das horas consumidas 
não percebi que em rondas desvairadas 
era eu levado para a destruição. 

 Ao ver-me hoje nas chapas denegridas 
dos espelhos, opacas, desgastadas, 
sinto-me frio e em lenta corrosão. 

  Alfredo Cumplido de Sant'Anna

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

22.9.12


 
  O tempo passado

Houve um tempo em que a mão erguia uma lanterna e a noite se afastava um pouco, devagar. Não se anulava. A noite e o dia abriam sulcos para o silêncio como um rio e ao nosso lado caminhava sempre um espaço aberto. Eu não recordo, mas dizem-me que partíamos e tornávamos à casa como o sangue parte e torna ao coração. Mar não havia, mas pisávamos violetas. A cama em que dormíamos era a do parto e a da morte, o pão era solene e a aurora familiar. Ah, dêem-nos, dêem-nos de novo aqueles corpos ignorantes e densos, e ouvidos para o silêncio e boca para acreditar.

  Maria da Saüdade Cortezão

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨