"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

31.3.18


Falo deste quarto excessivo, o teu rosto iluminado por dentro do espelho, o sofá de plástico recostado na memória, a cadeira partida, um anel esquecido entre as poeiras do amor. E também o armário onde dormem, ainda, as roupas, as viagens,as cartas e todos os sapatos de todos os percursos acumulados no tapete, o candeeiro do tecto sobrevoando a terra despida dos nossos corpos. E, depois, a cama de casal, por assim dizer, ineficaz, a cama estreita de prazer e, entre as duas, o esqueleto do mar. O copo vazio. Falo, portanto, do silêncio deste quarto. 

  Mia 
(photo Herbert Marshall & Kay Francis)

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30.3.18


 São os dedos 
que tocam
 as flores, ou são estas 
que delicadamente pedem
 às mãos
 um gesto
 de caricia?

Albano Martins 
(photo Audrey Hepburn)

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29.3.18


Ando feliz da vida. Cansada demais, mas feliz. Eu tô aqui pra ser feliz. Pra viver a minha vida. Pra conhecer o mundo e as pessoas. Não quero perder tempo. Tenho pressa. Tenho fome de afeto. Sede de carinho. Vontade de fazer. E viver. Mesmo que nem todos os dias tenham céu azul. 

  Clarissa Corrêa
(photo Audrey Hepburn)

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28.3.18


Acreditei que o beijo, enquanto linguagem universal, deveria conter todas as palavras que precisavam ser ditas. 
Beijei-o para não ter que falar.

  João Morgado 
(photo Tony Curtis & Janet Leigh)

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27.3.18


Entretanto 

Sei a linguagem dos teus olhos,
aves de poiso vacilante,
sem gavinhas galgando
o muro dos dias.

Tudo é incerto e veloz,
nada garante nada,
mas entretanto esses olhos
iluminam-me a casa.

Torquato da Luz 
(photo Alain Delon & Romy Schneider)

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26.3.18


Penúltima vivência 

quero só
o silêncio da vela.
o afogar-me
na temperatura
da cera
quero só
o silêncio de volta:
infinituar-me
em poros que hajam
num chão de ser cera.

Ondjaki 
(photo Ava Gardner)

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25.3.18


 A cama de ferro 
É o vão que resta 
E o calor que resta... 
Resta, resta. 
Para cama e dormir 
E sem lágrimas escorrem 
Os segundos informes 
Minutos horas 
E você nunca 
Os pingos da chuva choram 
E você nunca 
E tic-tic 
tic-tic 
passam as horas.

Sylvia Plath 
(photo Elizabeth Taylor)

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24.3.18


Deveria ter brigado mais, respondido as agressões, sangrado mais, esperneando e puxado os cabelos. Gritado palavrões, e socado o ar. No acúmulo da poeira, as gavetas trincaram.

  Fabrício Carpinejar
(photo Leslie Caron)

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22.3.18


descubro agora que o Outono se veste de muitas cores… descubro-me também a mim com outras cores... afinal talvez eu seja Outono; e eu que sempre me pensei Verão... 

  Fátima Prosa
(photo Bette Davis)

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18.3.18


Baloiço

Passaram os anos, mas a memória ficou no tal coração que com amor me transformou; 
Perdida nos sonhos, balançava por um futuro melhor, usar esse balançar como um fim para toda a dor; 
Cantar enquanto sentia o vento puxar o meu cabelo e lançar a voz ao ar como um apelo; 
Abstrair-me de tudo aquilo que me rodeava enquanto que o sol o fim do dia anunciava; 
Apreciar cada balanço como uma ascensão e ir crescendo na pressa de queimar a solidão; Imaginar os meus dedos a romper o manto azul do céu, receber de braços erguidos aquilo que a vida me deu. 
Esticar as pernas numa tentativa de voar para um mundo diferente onde conseguisse aceitar o que a realidade tem de duro para me dar; 
Será sempre uma tentativa de limpa-lágrimas o fugir à dolorosa monotonia diária; 
O acto de ascender as pernas bem esticadas e sem medo, a força feita com as mãos nas cordas já desgastas pintado o chão com pegadas abstractas. 
Mostro e digo a simplicidade com que ouço, escrevo então a simplicidade de andar de baloiço. 

  Sónia Oliveira Fonseca
(photo Joan Leslie)

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16.3.18


não me apetece dizer nada
não vou dizer nada
não quero dizer nada

(à parte isso tenho em mim todas as palavras do mundo)

 daniel gonçalves 
(photo Sophia Loren)

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13.3.18


Uma canção 

Uma canção
em casa grito
de agonia

Uma flor
em cada sonho
violado

Um painel
em cada aurora
ensanguentada

Um poema
em cada gota de sangue
derramada. 

António Mendes Cardoso
(photo Audrey Hepburn)

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12.3.18


Talvez não seja 

talvez não seja sempre assim; e digo eu
que se os teus lábios tão amados tocarem
os de outro, e os teus dedos firmes agarrarem
o seu coração, como não há muito tempo o meu;
se num outro rosto repousar o teu cabelo querido
naquele silêncio que conheço, ou no dizer
de palavras trémulas que por demasiado falarem
ficam indefesas perante o espírito constrangido;

se tiver que ser, eu digo se assim for
tu que és do meu coração, manda-me avisar;
para que eu possa ir até ele, pegar-lhe na mão,
e dizer, recebe de mim a felicidade do amor.
depois hei-de voltar o rosto, e ouvir um pássaro cantar terrivelmente longe em terras de solidão.

 E. E. Cummings 
(trad. Maria da Graça Braga) 
(photo Pierre Barouh & Anouk Aimée)

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8.3.18


Epitáfio 

O canto desse menino
talvez tenha sido em vão.
Mas ele fez o que pôde.
Fez sobretudo o que sempre
lhe mandava o coração.

 Thiago de Mello
(photo Freddie Bartholomew)

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7.3.18


Os dois eus e a solidão

Em mim
a solidão
é já uma pessoa.

Onde
a um eu que não chora
um meu outro eu
chora tudo
pelos três. 

 José Craveirinha 
(photo Marceline Day)

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6.3.18


Em vez de lágrimas

Só um choro em seco
põe no vértice da minha dor
o mais intenso
auge do luto.

José Craveirinha
(photo Lily Elsie)

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5.3.18


 As lágrimas
são locais de olhar por dentro
e enquanto espero que os verbos
sequem
poucas palavras me restam para dizer
que só a sombra tem corpo
e em frases soltas
crescem-me pássaros no reverso dos olhos.

 Maria Sousa 
(photo Ingrid Bergman)

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4.3.18


Não sei 

o galo canta
o sol desponta
o dia nasce

tudo parece 
tão previsível
nada me espanta

mesmos barulhos
cotidianos
anos a fio

o galo canta
mesma cantiga
acordando a vida...

apenas eu
continuo
(bela) adormecida.

Lisieux
(photo Joan Collins)

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2.3.18


De ler e andar 

Há dias em que há
mais sentido nas ruas
do que nos livros.
Nesses dias se deve
de casa sair
e, dentro de si,
caminhar à escuta
da vida.
Há dias,
porém, em que mais
sentido há nos livros.
É preciso então
trancar-se em leituras
e, numa entrega de sonho
misturar-se ao mundo.

Alcides Buss
(photo Audrey Hepburn)

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1.3.18

Quantos anos tenho? Tenho, na verdade, os anos que me restam de vida, porque os já vividos não os tenho mais.


Eu não tenho idade. Tenho vida.

  Vânia Toledo
(gif Greta Garbo) 

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