"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

17.11.13


Descobri que tiro retrato com a memória, que um café com bolo quente num dia de sentimento chuvoso somados a um sorriso macio são pequenos momentos de glória, que meu peito guarda uma vitória silenciosa somente pelo fato de sentir uma brisa-abrigo em um abraço amigo, que trago recordações que me fazem carinho e, vez em quando as abro em meu cantinho secreto como quem abre uma caixinha de música. 
E minha bailarina interior sempre dança.

  Lilian Vereza 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

4.11.13


Um anjo nu 

 Desprendendo-se do infinito cosmos 
Pousa suave em noturnas águas
 Um corpo belo e nu sem nenhuma nódoa 
Quais sentimentos reverberam na alma 
De quem se embriaga diante do anjo, 
 Que fim terá seu insano e mortal desejo, 
E, pelo que sua alma tanto implora? 

  Fernando Maioni 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

2.11.13



Fazer sentido

Amanheci plantando silêncios na dobradura das horas. Entardeci o dia. Chovi a tarde inteira, encharquei memórias, diluí saudades, afoguei esperanças e desaguei na boca da noite. Fiquei à deriva buscando porto, abrigo, calmaria. Tentei passar, mas o dia me abraçou com força e eu fiquei repercutindo vazios, compondo soluços e suspiros na parte turva da alma. Desarmônico, destoei o ritmo dos ventos, arranhei a partitura das águas, fiz barulho. Desaprendi uma porção de futuros, mas fiquei humano, simples, pequeno.

 Agora, qualquer delicadeza fala. Agora, no vão de qualquer impossibilidade, eu sou palavra. Enfim, estou fazendo sentido.

  Wendel Valadares

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

14.8.13


Hoje acordei com a dor das árvores;
estou de pé e o meu tronco sustém
o vazio e a solidão dos ramos
côncavos de espera,
impacientes de ternura.
(...)

Lília Tavares

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

13.8.13


Espelho 

Esse estranho que mora no espelho
(e é tão mais velho do que eu) 
olha-me de um jeito 
de quem procura adivinhar quem sou.

  Mario Quintana 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

9.8.13


 Misteriosa, inconstante, rebelde
 - podes esgotar todo o arsenal
de lugares comuns que
nunca conseguirás defini-la -
a alegria chega um dia
à tua vida e não estás preparado. 

 Jorge Gomes Miranda 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

8.8.13


Não é uma questão de viver do passado. A minha intenção não é resgatar isso ou aquilo. É lembrar. A lembrança serve justamente pra gente guardar dentro, um sentimento que de alguma forma nos tocou. Quando eu sinto saudade, nem sempre eu choro. Algumas vezes eu rio. Eu fecho os olhos. Eu me abraço em silêncio. Eu deixo que 'aquele sentir' tome conta. Que ele seja. E eu me deixo ser quando o assunto é saudade. Eu sou uma mulher que aprendeu a dançar a melodia do próprio coração. 

  Bibiana Benites

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

7.8.13


Depois do banho
 visto-me frente ao espelho
 e me contemplo. 

 Que ficou de ontem? 
Um sorriso que flutua. 

  Yosano Akiko

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

31.7.13


Mudei, mudei sim e mudei muito. Talvez alguns nem tenham percebido. Talvez outros sintam falta do que eu fui. Talvez outros achem um alívio terem se livrado de mim. Cada um teve de mim, o que julguei merecer. Errei nas dosagens, pequei por exageros. Nunca me deram um manual, passei a escrever o meu. 

  Matheus Rocha 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

26.7.13


O tempo da rosa

será que você vai me amar
depois de todo tempo que passar?
quando eu estiver vendo menos
quando estiver tremendo mais
quando a poesia for sendo prosa
quando as pétalas dessa tua rosa
for derrubada pelos ventos outonais?

Cáh Morandi 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

25.7.13


Todas as noites, antes de se deitar, colocava-se em frente ao espelho e penteava-se com todo o cuidado. Queria aparecer bonita nos sonhos.

  Micro Contos 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

24.7.13


o anjo que tive abandonou o meu altar
não se guardam anjos na gaiola
eu sabia
acendia-lhe velas de cera de abelha
e oferendava-lhe incenso puro
água consagrada
seda e algodão – mas um anjo não precisa de oferendas
eu sabia
vi-o chorar e desperdiçar as asas
acendi mais velas e queimei mais incenso
disse orações
ele continuou a chorar
o altar está vazio
ele deixou-o e ascendeu
ao seu mínimo
mas livre
céu

 Frederico Mira George

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

19.7.13


Segredos

Quando eu me percorri todos os corredores
E abri cada cômodo
Que um dia eu fechei
[eu tive as minhas razões, não me pergunte o porquê]
Todas as portas perderam os segredos 
E os fantasmas deixaram os armários...
Nunca mais dormi ao relento de mim!

 Wania Victoria

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

17.7.13


Para uso diário

Se a vida não fosse tão insubstituível
talvez ousássemos utilizá-la.
Porém arrumamo-la na prateleira
como um vistoso par de sapatos
que é bonito de se ver
mas não para uso diário.
Assim, continuamos por aí sentados
numa expectativa descalça.

 Margareta Ekström

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

12.7.13


 O que dói
É não poder apagar a tua ausência
e repetir dia após dia os mesmos gestos

O que dói
é o teu nome que ficou como mendigo
Descoberto em cada esquina dos meus versos

O que dói
é tudo e mais aquilo que desteço
Ao tecer para ti novos regressos

 Daniel Faria 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

8.7.13


... Ando de um lado pra outro, dentro de mim, as mãos abandonadas, pronta pra inventar uma tragédia russa, pronta pra criar um motivo que me acorde... horrível. Estou tão vaga, tinha vontade de fazer um embrulho de mim, com papel de seda, lacinho de fita, e mandá-lo pra você. Aceita? 

  Clarice Lispector

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

7.7.13


O Passo do Adeus 

Devota como ramo
curvado pelos nevões
alegre como fogueira
nas colinas esquecidas

sobre acutíssimas lâminas
em branca camisa de urtigas,
te ensinarei, minha alma,
este passo do adeus...

 Cristina Campo
(trad. José Tolentino Mendonça)

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

6.7.13


Um lugar na minha alma 

Agora que não nos vemos
e as nossas vidas correm pelos dias
cada vez mais longínquas,
sinto, às vezes, uma vontade enorme
de te ver uma tarde, tomar café
contigo, saber como vais…

Agora que não nos vemos
e nos perdemos aos dois,
não penses que esqueci as tuas coisas.
Guardo boas lembranças, e poemas
que te escrevi (lembras-te?); guardo
cartas e fotografias…
E um lugar
na minha alma, onde, se quiseres,
sempre, sempre podes estar.

 Abel Feu
(trad. Joaquim Manuel Magalhães)

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

4.7.13


As coisas caem dos meus bolsos e da minha memória: perco chaves, canetas, dinheiro, documentos, nomes, caras, palavras... Eu ando de perda em perda, perco o que encontro, não encontro o que busco, e sinto medo de que numa dessas distrações acabe deixando a vida cair. 

  Eduardo Galeano

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

3.7.13


Até onde a vista alcança 

Não percam essa mulher de vista;
Traz tanta dor dentro de seus olhos
Que um dia certamente se abrirá em flor.

Não percam essa mulher de vista;
Traz tanta flor dentro de sua alma
Que um dia certamente se abrirá em dor.

Não percam essa mulher de vista;
Traz tanta flor e tanta dor dentro de si
Que um dia certamente me abrirá em amor.

 Oswaldo Antônio Begiato 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

2.7.13


Constatação 

 O problema não é a vida sem ti. Já tive uma vida assim e eram dias que faziam todo o sentido. Difícil é uma vida depois de ti. O depois não acaba nunca.

  Sofia

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

30.6.13


O Silêncio do Piano 

Na espera do encontro
no eco da distância
na mudez do filme
no salto da personagem
na vedação do jardim
no banco da impaciência
na raiz dos sustenidos
no bolso das fisgas
na sombra dos bemóis
no dédalo das árvores
na brincadeira dos meninos
no favor das circunstâncias
na paixão dos cativos
no espelho das notas naturais

o piano do silêncio
o silêncio do piano

o piano

o silêncio

 Carlos Alberto Silva - Edison Woods

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

29.6.13


Risos 

 A gaiola esteve fechada por tanto tempo
que um pássaro nasceu lá dentro.

o pássaro ficou imóvel por tanto tempo
que a gaiola
corroída pelo silêncio,
se abriu.

o silêncio durou tanto
que por trás das barras negras
risos e mais risos ecoaram.

 Tadeu Rozewicz

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

28.6.13


Demissão

Hoje
pela primeira vez
envelheci.
Hoje
pela primeira vez senti
que já não era a primeira vez.
Hoje
pela primeira vez
a criança morreu-me nos braços
e a canção na garganta.
Hoje
pela primeira vez ambicionei
estabilidade e fixação de planta.
Hoje
pela primeira vez
criei laços com a minha estátua.

 Rita Olivais

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

27.6.13


 Há dias em que escorrego
pra dentro de mim
lenta e densa
como leite condensado

E lá eu fico
enquanto dura o tempo
de minha tristeza

 Célia Maciel

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

26.6.13


 Adoro esse olhar blasé
que não só já viu quase tudo
mas acha tudo tão déjà vu mesmo antes de ver.

Antonio Cicero 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

25.6.13


Confissão

Sim, 
visto que me encontro hoje em desalento
numa dor de não sei o quê,
num tom de impropriedades

São dias raros esses
Incomunicáveis

Não fosse o poema 
não saberia nem por onde começar.

Leila Andrade 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

24.6.13


Ausência 

Estive todo o dia
Onde o fogo consome o ar.
Esperei em vão,
Até ao limite do oxigénio,
Como peixe respirando
Sobre a pedra na ausência.
Feneci: com a ansiedade
De te ter tão perto,
Mas ao mesmo tempo tão distante.

Agora sou cinza, espalhada pelo grito
No sortilégio de me saber lume.

Joaquim Monteiro

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

23.6.13


Saiba, pois, que sou muito senhora da minha vontade, mas pouco amiga de a exprimir; quero que me adivinhem e obedeçam; sou também um pouco altiva, às vezes caprichosa, e por cima de tudo isso tenho um coração exigente. Veja se é possível encontrar tanto defeito junto! 

  Machado de Assis

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

22.6.13


 Desejei um dia que um poeta me amasse.

Agora doem-me os poemas no corpo,
algo de mim que nele se reconhece até
quebrar a imagem de tudo quanto fui.

Agora desejo que me amasse tanto que deixasse
de amar-me e suas palavras fossem neve
que o sol de Junho fundisse no meu peito,
ali onde o seu hálito teima em acalmar
esta tristeza antiga que sempre me acompanha.

 Chantal Maillard

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

21.6.13


planisfério 

ao me olhar no espelho
plano
há uma imagem – minha –
que flutua
que não se pensa:
plana
leve como pluma
há uma dimensão – minha –
não refletida
que me absorve e me
adivinha
plena

Adrianna Coelho

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

20.6.13


luto tenaz 

 é claro que penso em ti todos os dias. todos. penso com raiva, penso com uma revolta transtornada, e depois, depois penso com uma tristeza que me invade inteira, qualquer coisa que me derruba, que me mata, e que esquecendo-me te esquece. até ao dia seguinte, é claro. 

  Sarah Adamopoulos

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

19.6.13


Reencontro 

Hoje revi livros
de páginas amareladas
amassadas pelo tempo
pelo uso e usufruto...
Reavivei conceitos que
ficaram nos caminhos...
Reabasteci-me com idéias
e sonhos que não realizei
e descobri mensagens
guardadas nas entrelinhas...
Desarrumei o pensamento
para reconstruí-lo
e encontrei mil formas
de pensar melhor...
O livro era velho,
guardado, esquecido
mas renovei-me nele,
nas letras (quase) perdidas...

Lucia Vieira 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

18.6.13


O sal das memórias

As suas mãos, pousando-se na harpa,
paravam-se no arco da memória.
Ausente de rugidos.
Os gemidos do tempo percorrendo
em sal outros gemidos.
É que a casa era branca e muito ampla,
de tectos recortados.
Só saber-lhe a presença
lhe bastava.
Que sim, ela assentira,
defronte a poliedros
de mil
lados.

Ana Luísa Amaral 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

17.6.13


 amanhã
serei a memória
de uma sombra atada
nos olhos ofuscados de um peregrino
e…
se as mãos abrem segredos
os dias escondem o caminho

(desconheço autoria) 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

16.6.13


Lembrança alada 

Guardo memória
de paisagens espraiadas
e de escarpas em voo rasante.

E sinto em meus pés
o consolo de um pouso soberano
na mais alta copa da floresta.

Liga-me à terra
uma nuvem e seu desleixo de brancura.

Vivo a golpes
com coração de asa
e tombo como um relâmpago
faminto de terra.

Guardo a pluma
que resta dentro do peito
como um homem guarda o seu nome
no travesseiro do tempo.

Em alguma ave fui vida.

 Mia Couto

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

15.6.13


Sou de barro

Não ache que você consegue me entender 
com meia hora de prosa.
Sou tal qual moringa d’água. 
Simples à primeira vista, como uma boa cerâmica,
mas quem me vê assim, só querendo matar a sede, só de
passagem, não faz ideia da trajetória do meu barro, 
nem das tantas vezes que desejei mudar o meu destino.

Não ache que olhos que só têm sede vão me ganhar.
Sou de quem me decifra.
E não sou uma só.
Sou tantas....

Solange Maia 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

14.6.13


A fonte 

Secou... era uma fonte...
É uma fonte... mas não é mais uma fonte...
Já não tem água... secou!
Como ela...
Mulher... era uma mulher...
É uma mulher... mas não é mais uma mulher...
Já não tem amor... perdeu-se
Algures no tempo,
Nas desventuras,
No passado,
Na solidão,
No crer em vão!

BlueShell

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

13.6.13


 vou à janela
a todas as horas
deste tempo
triste

sem ti
a vida naufraga
lentamente

e é uma casa
inundada

em silêncio

 Daniel Gonçalves

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

12.6.13


Era um violoncelo pousado numa casa em ruínas, no meio de uma tarde que corria em contra-luz. Uma casa ressuscitada por um violoncelo e uma voz incontida ao primeiro acorde. E depois, o despertar dos gestos e o calor que se acendeu apesar do frio e da arca vazia. Provavelmente vazia e tão cheia de histórias. E na janela maior flores inesperadas e mansas como o rio que corria perto. Ontem foi dia de dias assim. 

  Marta Vaz

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

11.6.13


Os dias cinzentos 

 Os dias cinzentos. Eles vêm, eles insinuam-se com o tempo. Deixas de vislumbrar os matizes que desaparecem como ténues, cintilantes flocos na memória. Ficar sentado e pensar de repente. Que está mais cinzento, que queres libertar-te, mas continuas sentado, em completo silêncio, imaginas-te dentro do cinzento porque há nele uma leveza, porque ele é algo de fortuito que se ajusta bem aos dias, e quando queres sair dele, estás deitado indefeso no meio do caminho, como um animalzinho, destrutível, mesmo com o mais ligeiro toque. 

  Aasne Linnesta

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

10.6.13


  Clara suspeita de luz 

 Viver a tua ausência é o que me resta agora.
Viverei cada segundo em que não estás na minha vida,
em tua honra cada segundo será vivido por mim.
Porque afinal a tua partida não me privou de ti,

se reencontro a cada momento o teu ser em mim,
se ao ver-me no espelho eu vejo o teu reflexo:
o homem que desde o início claramente tu não eras,
esse «ele» que não foste e que passou a ser «eu»

Frederico Lourenço

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

9.6.13


Um dia não muito longe daqui
hei-de ser feliz
hei-de abrir as asas e deixar de ter medo de voar.
hei-de aprender a viver.
hoje, do lado de cá de mais um aniversário,
não sei sequer que fazer deste corpo
que como morto
berra, grita, reclama, proclama,
um pouco mais de afeto.

  Margarete da Silva

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

8.6.13


 Julgava que te tinha dito adeus,
um adeus contundente, ao deitar-me,
quando pude por fim fechar os olhos,
esquecer-me de ti, dessas argúcias,
dessa tua insistência, teu mau génio,
tua capacidade de anular-me.
Julgava que te tinha dito adeus
de todo e para sempre, mas acordo,
encontro-te de novo junto a mim,
dentro de mim, rodeias-me, a meu lado,
invades-me, afogas-me, diante
dos meus olhos, em frente à minha vida,
por sob a minha sombra, nas entranhas,
em cada golpe do meu sangue, entras
por meu nariz quando respiro, vês
pelas minhas pupilas, lanças fogo
nas palavras que minha boca diz.
E agora que faço? Como posso
desterrar-te de mim ou adaptar-me
a conviver contigo? Principie-se
por demonstrar maneiras impecáveis.
Bom dia, tristeza.

  Amália Bautista

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

7.6.13


Fala-se de uma raça de cavalos nobres que, quando são terrivelmente perseguidos e encurralados, arrebatam eles mesmos, por instinto, uma veia para facilitar a respiração. 

 Sinto-me assim muitas vezes e gostaria de abrir uma veia que me desse a liberdade eterna… 

  J. W. Goethe

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

6.6.13


 Sacudiu o pó
tratou cuidadosamente a ferida do joelho
reuniu os bocadinhos das suas asas
colou-as com paciência
e pendurou-as na parede da sala
como recordação.

  António Pedro Pita  

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

5.6.13


A meia luz 

Viver assim, sem sonhos de angústia,
com desejos justos e contados,

sem pressa de chegar a lado nenhum,
sem de nada esperar demasiado...

talvez não seja viver. Mas é a minha vida
(ou, ao menos, o que dela vai ficando).

Javier Salvago
(trad. A.M.) 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

4.6.13


Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros. 

  Clarice Lispector 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

3.6.13


 Estou só, bem sei,
nos olhos revelo a cor da solidão.
E se alguém me perguntar por meu amor
eu digo:
fugiu.

Para onde o sol me gela
e a lua ferve,
na ilusão do eterno num dia breve.

 António Branco

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2.6.13


É preciso fechar todas as portas, as gavetas, as janelas, as torneiras, desligar o fogão, acertar a dobra do lençol, prender o cabelo, tapar todas as canetas, desmarcar todos os livros, lavar as mãos, torcer o papel de todos os rebuçados. Depois, voltar a verificar tudo. Algum tempo depois deixei de dormir para o fazer. É preciso evitar atormentar, sem razão, o coração.

  Margo Pinto

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