"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

30.9.09

Silêncio e tanta gente

Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro o amor em teu olhar
É uma pedra
Ou um grito
Que nasce em qualquer lugar

Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal aquilo que sou
Sou um grito
Ou sou uma pedra
De um lugar onde não estou

Às vezes sou também
O tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar

Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão

Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro as palavras por dizer
É uma pedra
Ou um grito
De um amor por acontecer

Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal p'ra onde vou
E esta pedra
E este grito
São a história d'aquilo que sou

Maria Guinot

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Ciranda

Eu passei por aqui. . . Fico lembrando
um instante, uma hora de algum dia
onde o giro da vida, cirandando,
era festa de luz e de alegria.

Eu passei por aqui, feliz, cantando. . .
Mas, das lindas cantigas que sabia,
foram adormecendo, nem sei quando,
as palavras, o tom, a melodia.

O tempo segue, mas eu vou de volta
-a saudade por guia e por escolta –
aos caminhos azuis que percorri.

Ah! os longes da vida! . . . E as lembranças,
qual uma alegre ronda de crianças,
refazem a ciranda que perdi.

Graciette Salmon

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Sou

Sou suave e triste se idolatro, posso
abaixar o céu até minha mão quando
a alma do outro à alma minha enredo.
Pena alguma não acharás mais branda.

Nenhuma como eu as mãos beija,
nem se acomoda tanto em um sonho,
nem convém outro corpo, assim pequeno,
uma alma humana de maior ternura.

Morro sobre os olhos, se os sinto
como pássaros vivos, um momento
voar baixo meus dedos brancos.

Sei a frase que encanta e que compreende,
sei calar quando a lua ascende
enorme e vermelha sobre os barrancos

Alfonsina Storni
E se não lembrares
Da palavra amor,
Que dediquei a ti
Lembre-se da palavra
Saudade!
Que deixaste aqui.

Catarino Salvador

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
quem me habita provisória
nesta paisagem súbita
onde sou?

quem chora pranto antigo
nos meus olhos contemporâneos
desta viagem?

quem fui quando passei
aqui tão longe
de onde sou agora?

Helena Parente Cunha

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Tu és como uma terra
que ninguém jamais disse.
Tu não atendes nenhuma
senão aquela palavra
que do fundo brotará
como um fruto entre os ramos.
Há um vento que te toca.
Coisas secas e re-mortas
te chocam e vão no vento.
Membros, palavras antigas.
Tu tremes pelo estio.

Cesare Pavese
(Tradução: Jorge de Sena)
É(s) como o mar,
Que me acalma,
Lindo,
Que me inspira,
No qual tenho vontade de mergulhar
Até me perder.
De me deixar envolver completamente
Por ele...

Carlos Veríssimo

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
A luz de ontem

Procuro, não sei o que procuro. Procuro
um céu passado, a véspera extinta. Meu rosto
vai tão baixo, que antes nos céus ia posto!

Procuro, não sei o que procuro. Procuro
auroras idas, que jorravam, inflamadas
fontes — hoje com águas presas derrotadas.

Procuro, não sei o que procuro. Procuro
a grande hora que em mim restou sem figura
como em um cântaro morto um fim de abertura.

Procuro, não sei o que procuro.
Sob estrelas de ontem,
sob as que passaram, procuro
a luz apagada que ainda enalteço.

Lucian Blaga

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
A porta aberta está.
Rubro é o vestido...

Cantá-la, como poderei?

Mas canta por mim,
Canta manhã, verdura
Dos campos canta
Que nem tenho voz!

Ouço os seus olhos me contarem:
- Dormi, sonhei, morri, quem sabe!
Que mistério esta noite, meu amor!

Penso num vago luar, penso na estrela
Na andorinha do céu avoando, avoando.
Adeus – Julieta – vou fugir daqui!

Augusto Frederico Schmidt

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Solilóquio

Me completo na ausência de tudo
amo a solidão
o nada ter
o nada haver

Sou a metade na falta de tudo
amo a duvida que sucede
o meu porquê

Em outra parte sou a verdade;
na ausência do nada
amo a face que me deixa parecer
no espelho o meu semblante,
que nada vê

Conceição Bentes

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Chá para as borboletas

Janela – espelho meu.
Fragrância de almíscar selvagem
Me violenta.
Jovem com juba desgrenhada.
Velocidade lenta.
Garganta do poço este túnel
Cinza, onde trafego dias.
Penso na infância, sombra
Dos eucaliptos, recanto secreto
Onde eu servia chá às borboletas.

Bárbara Lia

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Lagryma negra

Aperte fortemente a penna ingratta
entre os dêdos nervosos e trementes,
e os versos jórram, claros e estridentes,
n'uma cascata, n'uma cataracta!

Escrevo, e canto cânticos ardentes,
enquanto dos meus olhos se desata
uma fiada de lagrymas de prata
como um collar de pérolas pendentes...

Eu canto o soffrimento, a ancia incontida
de amor, que é a maior ancia desta vida,
- vida a que a Humanidade se condemna!

E todo o meu sofrer, todo, se pinta
n'este pingo de dor -- pingo de tinta,
lagryma negra que me cáe da penna.

Dante Milano
Tarde

Há uma leve tristeza nesta tarde
que a visão do mar acaricia:
um dia mais que morre sem alarde
e ascende a esperança de outro dia.

As estrelas acordam docemente
num ritual antigo e conformado,
na tarde vem a mágoa persistente,
herdada de outras tardes do passado.

Choro de criança, gritos e risadas,
uma tristeza sem dor, sem consistência
- minha infância sorri pelas calçadas -

Brisas, leves sons de violino,
no céu a noite toma consciência
e desce à terra pela mão dos sinos.

Yttérbio Homem de Siqueira

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Mas quando a névoa do entardecer
Se levantar dentre as folhas vermelhas
No crepúsculo congelado
- estarei pensando em você.

Manyousu Ikusa

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Encontrei... Perdi

No subterrâneo da minha dor
Entre lágrimas vertentes
Encontrei você
E na marginalidade
Do desencanto
Na tortura do meu pranto
Perdi você

Rô Lopes

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Porque hoje é sábado
uma borboleta amarela
pousou no meu quintal.

Porque hoje é sábado
tem muito colorido lá fora,
muita luz, muito verde
e muito sol...

Não gosto desses dias de sedução.
O meu poeta sempre aparece
com a mania de cantar
esperanças, e sabe perfeitamente
que aprecio as combinações.

O cinza no peito não combina
com o amarelo e muito menos
com todo esse colorido
da estação.

Nathan de Castro

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Bar

Garçom me traz mais um pouco de esperança
aquela que o senhor me serviu
já acabou...

Traga-me um pedaço de doçura
está meio amargo
este trago que trago em meu peito

Coloca uma pitada de alegria
porque esta dose fria
pode me fazer chorar
e eu não quero borrar a maquiagem
que com cuidado fiz
para aqui me sentar

Veja para mim uma dose de pureza
porque nesta louca passagem
já ultrapassei a heresia

Arranja-me também um tantinho de apego
é que me desacostumei a querer alguma coisa
mas sabe como é...
sempre é bom ter algum apego
que é para dar algum sentido a vida...!!!

Angela Lara

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
De que servem exércitos de canções
e o encanto das elegias sentimentais?
Para mim, na poesia, tudo tem de ser desmesurado,
e não do jeito como todo mundo faz.

Se vocês soubessem de que lixeira
saem, desavergonhados, os versos,
como dente-de-leão que brota ao pé da cerca,
como a bardana ou o cogumelo.

Um grito que vem do coração, o cheiro fresco de alcatrão,
o bolor oculto na parede...
E, de repente, a poesia soa calorosa, terna,
Para a minha e tua alegria.

Anna Akhmátova

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
É noite de lua cheia.
E a minha menina, inquieta, não dorme.
Ela teima em dizer que Deus esqueceu a luz do céu acesa.

Leninha Caldas

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Demente

Quando eu ficar bem velhinha ,
vou abolir as dietas
e comer tudo que não presta!
Tomar uma cervejinha
no almoço e no jantar.
Não vou pintar os cabelos
e nem usar mais o pente...
vou ser uma velha bem demente!

Irei na rua de chinelos rotos,
e avental desbotado,
aliás... todo manchado
de tintas e de solvente.
E vou brigar um bocado
com o cara do mercado!!!

Quando eu ficar bem velhinha
vou plantar samambaias pra vender
colocar lá na entrada uma plaquinha
- 100 reais cada xaxim!!!
aí sento na varanda, tomando mate gelado
comendo broa de milho ou farinha com melado...

Se aparecer um freguês
eu mando para o diabo!!!

Mariza Alencastro

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Dizer que ama não é o bastante...
Os ouvidos também se alimentam com os silêncios da cumplicidade...
De que valem as flores?...
Se os vasos trincados não sustentam a água?...
E todo o calor da cama?...
Se os corpos amanhecem a quilômetros de distância um do outro?...
Não basta apenas alcançar o céu...
Também é preciso sempre...
Lustrar as estrelas...

Marcelo Roque

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Oração de uma Camponesa de Madagascar

Senhor!
Dono das panelas e marmitas!

Não posso ser a santa que medita aos vossos pés.
Não posso bordar toalhas para o vosso altar.

Então, que eu seja santa ao pé do meu fogão.
Que o vosso amor esquente a chama que eu acendi
E faça calar minha vontade de gemer a minha miséria.

Eu tenho as mãos de Marta.
Mas quero também ter a alma de Maria.

Quando eu lavar o chão lavai, Senhor, os meus pecados.
Quando eu puser na mesa a comida, comei também Senhor,
junto conosco.

É ao meu Senhor que eu sirvo, servindo minha família.

Frei dominicano Raimundo Cintra

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Tão só!
Cada vez são mais longos os caminhos
que me levam à gente.
(E os pensamentos fechados em gaiolas,
as ideias em jaulas.)

Ah, não fujam de mim!
Não mordo, não arranho.
Direi:
- Pois não! Ora essa! Tem razão.

Entanto, na gaiola,
cantarão em silêncio
os sonhos, as ideias,
como pássaros mudos.

Fernanda de Castro

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Horário de funcionamento

Os poetas não abrem
aos domingos e feriados.

e mesmo assim
os poetas não fecham nunca.

Rita Apoena

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Ser quem sou

Para ser forte, tive que beber muitos goles de tempestades.
Tive que aprender a fazer muralhas (e às vezes, ser a própria);
andar de salto alto entre as pedras do caminho;
ter ouvidos atentos, saber escolher os momentos do silêncio;
ir contra o vento...
E depois de tudo ser capaz de desmoronar doce e calmamente
nos braços do homem que eu amo.

Cáh Morandi

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Homeopatia

Cobriste-me de nudez o
corpo nu quando tive frio
envolveste-me em
frieza quando fiquei cansada
serviste-te do meu sono
Saciaste a minha fome
com fome mataste com
sede a minha sede.
Quando o telefone toca
e ninguém diz nada
és tu do outro lado.

Ulla Hahn

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Há dias
que de tanto o sol brilhar
obscureço

Há dias
que dos brindes a saudar
eu convalesço

Há dias que florescem
e me despetalo

Há dias que me calo.

Beatriz Tavares

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Espaço

Ainda há espaço
para um poema

Ainda é o poema
um espaço
onde se pode respirar

Rose Ausländer

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Há dias em que o sol
 tem cor diferente...

A brisa cheira a flores
 cantiga de amores

Há dias em que tua voz chega
 com o vento

Despertando o sonho azul
  que dormia calmamente

Arnalda Rabelo

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Diz o Vento...

Hoje vou-me embora
Vou cantar em outro vales

Seu caminho, já é de sol...
Caminhe sereno, sem pressa

Beba os dias, em pequenos goles
Matando a sede da vida...

Quem sabe um dia eu volte como
Brisa... pra matar a saudades!

Hoje vou-me embora...
Vou cantar em outros vales!

Zia Marinho

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Quero voar
mas saem da lama
garras de chão
que me prendem os tornozelos.

Quero morrer
mas descem das nuvens
braços de angústia
que me seguram pelos cabelos.

E assim suspenso
no clamor da tempestade
como um saco de problemas
tapo os olhos com as lágrimas
para não ver as algemas...

Mas qualquer balouçar ao vento me parece liberdade.

José Gomes Ferreira

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Ciclo

Quando quero e nada vem,
Eu espero.

Quando espero e tudo vem,
Eu desfruto.

Quando desfruto e tudo passa,
Eu me calo.

Quando calo,
Começo a querer novamente...

Autoria desconhecida

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Sou apaixonada por abraços.
Apertados ou não, mas inteiros, dominantes, verdadeiros.
Abraços que acolhem, envolvem e gastam!
Sem medo nem restrições.
Abraços de todas as cores e tamanhos.
Me entrego me envolvo. Absorvo seduzida.
Morreria entre os braços, entre os laços de um abraço...
Sem medo algum.

Mara Araujo

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Não esqueça de não me esquecer...

Não esqueça de não me esquecer
Porque eu farei de teu nome sinônimo
De toda uma vida
Farei de tua vida
Sinfonia, Peça e Filme
Onde jamais apagarei
A cortina de teu ato

Não esqueça de não me esquecer
Pois serei marca a fogo
De ardente monograma
De enlouquecido anagrama
De rubras cores em tua pele

Não esqueça de não me esquecer
Pois pintarei
Com leitosa e vívida tinta
Tinta viva e apaixonada
Teu orgástico âmago como tela
De minha explosão inspirada

Não esqueça de não me esquecer...

Maria Apª Marcato

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

29.9.09

Ao calor da lareira

Mesmo só, quando ao pé do fogo da lareira
Ponho-me a recordar o que fui e o que sou,
A minha sombra - a eterna companheira
Que em dias bons e maus sempre me acompanhou,
Fica perto de mim de tal maneira
Que não parece sombra. E' alguém que ali ficou.

Somos dois. Cada qual mais triste e mais calado.
Anda lá fora o luar garoando no jardim...
Tenho pena da sombra imóvel a meu lado
Possuída da expressão de um silêncio sem fim.
E recordo em voz alta o meu tempo passado
E a sombra chega mais para perto de mim.

Ah! Quem me dera ter um bem que se pareça,
Que lembre vagamente outro que longe vai:
As mãos da minha Mãe sobre a minha cabeça,
O consolo de amigo e a fala do meu Pai.

E antes que a noite passe e a alma se me enterneça,
Abro a janela e espio a lua que se esvai...
Qual! E' inútil. Por mais que esta lembrança esqueça,
Uma lágrima cresce em meus olhos e cai...

Deus há de permitir que eu adormeça
Com as mãos da minha Mãe sobre a minha cabeça,
Ouvindo a fala comovida de meu pai.

Olegário Mariano

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Romance

Subiam do silêncio do jardim,
para a janela aberta do aposento,
perfumes brancos, de jasmim...
Dentro, num ritmo sonolento,
alguém abria o luar de um noturno nevoento
sobre o teclado de marfim.

Depois, um beijo alto e violento...
E houve por tudo um estremecimento,
uma angústia de fim...
E o beijo, num momento,
misturou-se ao perfume do jasmim
e ao noturno nevoento
que ressoava no aposento...

Hoje, para evocar o que passou, assim
como tudo que passa ao vento,
alguém acorda no teclado de marfim
um noturno nevoento...
E, da janela do aposento
sobre o siêncio do aposento
sobre o silêncio do jardim,
procura aquele beijo violento
num perfume de jasmim...

Onestaldo de Pennafort

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

28.9.09

Flores de Cactus

Flores de cactus resplandecentes,
Espelhantes, encarnadas!
Rubras gargalhadas
De cortesãs…
Embriagam-se de sol,
Pelas doiradas manhãs,
Viçosas e ardentes!

Bela flor imprudente!
Brilha melhor o sol rutilante
Nas suas pétalas vermelhas…
É sugestivo
O ar insolente
E petulante,
Como se deixam morder
Pelas doiradas abelhas!

Nascem para ser beijadas
E possuídas
Pelo sol abrasador…
Lascivas,
Predestinadas
Para os mistérios do amor!

Eu gosto desta flor pagã
E sensual,
Que num místico ritual
Se entrega toda aberta
Aos beijos fulvos do sol!

Oh! Flor do cactus enrubescida!
No teu vermelho, há sangue, há vida…
- E eu tenho uma enorme sede de viver!

Judith Teixeira

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

27.9.09

E se...

E se nunca mais eu for
pétala
da pálida flor?
E se assim
de repente
eu permanecer
fértil
de todas as palavras
e nunca mais sentir
medo
de calar subitamente,
será que essa cor
que a flor ganhou
transforma
pra todo o sempre
a vida que era quase
invisível
em riso que não se esconde
e deixa as manhãs
ensolaradas
com gosto de chuva fina
rede
e abraço
que faz estremecer?...

Lilian Dalledone

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

24.9.09

Eu te desejo um sonho

Desejos são coisas simples:

Andar de mãos dadas no meio da noite,
Fazê-la parecer nunca terminar
Enquanto estrelas travessas nos espiam
Remexendo com suas pontas ligeiras
Nossos corações distraídos;

Colher flores amarelas amadurecidas no campo,
Ataviar seus cabelos longos e leves
Enquanto o vento os toca com suavidade
Embalando nossas secretas
Vontades de perdição eterna...

Sonhos, porém, são mais complexos;
Eu por exemplo sonho te fazer feliz.

Viu como é complexo?

Oswaldo Antônio Begiato

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

23.9.09

Não estão

Os pássaros não estão,
se esconderam no meu coração.

Hoje sou ninho.

Humberto Ak'abal

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
(...) nada como um vôo de borboleta para transformar qualquer dia em domingo, mesmo que esse dia seja mesmo domingo e mesmo que essas borboletas sejam pintadas com as cores do sol e das flores de jacatirão, dentro dos olhos de um poeta triste.

Luiz Carlos Amorim

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
... tenho por princípios
Nunca fechar portas
Mas como mantê-las abertas
O tempo todo
Se em certos dias o vento
Quer derrubar tudo?...

Adriana Calcanhoto

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Dois e dois: quatro

Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena.

Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena
como azul é o oceano
e a lagoa, serena.

Como um tempo de alegria
por trás de terror me acena
e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena.

Sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena.

Ferreira Gullar

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo.
Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata,
porque é um modo de viver com ela, ouvi-la.

Aqui me fico, por ora na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina. Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la.
Irei vê-la, ela me esperará.

Machado de Assis

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Nosso imortal amor

Toma essa folha branca de papel virgem,
que um panapaná deixou cair,
de suas asas coloridas,
em meu colo de noivo.

Nela escreva com suas mãos de noiva,
seu nome com letras douradas
e depois escreva
uma poesia lírica com letras corridas.

Por fim escreva meu nome
sem maiúsculas e sem acentos agudos.
É esse o ritual que outorgará ao nosso amor
imortalidade.

Oswaldo Antônio Begiato

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Poema perto do fim

A morte é indolor.
O que dói nela é o nada
Que a vida faz do amor.
Sopro a flauta encantada
E não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
De não ter sido bom.
E no coração, neve.

Thiago de Mello

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Pré- Escrita

Esta Saudade
de te chamar pelo nome
Este receio
de te chamar pelo nome

Esta saudade
de manter a palavra
Este receio
de apenas manter a palavra

Esta saudade de uma vida
que não dê em poema
Este receio de um poema
que antecipe a vida.

Ulla Hahn

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Rôsinha

Rôsinha
eu estar chatiado
não ir trabalhar.
Rôsinha
agente aôje vai amar.

- Ouvi quirido mas
você sabe qui Chiquito
comeu manga verde
tem dor no barriga então
agente aôje não vai amar.

Rôsinha
eli não vai chorar!
Eu vai comprar rimédio pra Chiquito
tu vai ver
eli ficar bom
eli ádi brincar.

Tira capulana Rôsinha
agente aôje vai amar!

Calane da Silva

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22.9.09

Poema de Primavera

Metamorfose dos encantos
Encaixe dos sentimentos
Delicadezas se ondulam em flores
Nas asas da imaginação
Seu sorriso, meu disfarce
Me perco no equinócio do seu florescer
Num canto bem adubado do meu coração
Outra semente germina
Pulula em vida pós-inverno
De begônias e hortênsias
Ornando meu caminhar.
Quem hibernou involuntário
Ao saltar para a primavera
Encontra suave brisa
A refrescar a tez acalorada febrilmente.
Enfim vitória de uma semente
É primavera chegando
A esperança renascendo
O colorido tingindo
O caminho do passante
Desencasula... para a vida
Desacrisola... para a maturidade
As forças da natureza me deixam em êxtase
Momento de recomeçar
Floreça em mim a primavera de minh'alma
As lágrimas transformem-se em suave brisa
Ou num orvalho manso a regar meu coração...
Estação das flores dentro de mim,
Reaja ao inverno sequioso dos sonhos meus
E brotem novos sonhos
Novas forças,
Nova vontade de sonhar.
Caminho lentamente, mas com firmeza
Esqueço o que doeu
Apago o traço da dor
Aborto a palavra saudade
Construo ruas de felicidade
Onde dançarei a dança da paz
Com o arco-íris a brincar
Ao vento vão os pensamentos
Novos sonhos, novos alentos
O tempo... Ah, o tempo!
Meu íntimo confidente,
A primavera me trouxe.
Um dia novo está surgindo
Um sonho novo me envolve
Vida nova...
Saúde...
Paz...
Enfim, a primavera me beija a face.

Alice Poltronieri

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17.9.09

Fotografia

Não saio muito bem
em fotografias.
Porque meu melhor lado
a foto não pega.
Não me faz bela
ou me faz jus.

Porque meu melhor lado
não é o esquerdo.
Não é o direito.
É o de dentro.

Lilian Dalledone

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