"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"
Deixem-me agora evocar, aos goles de lembrança.
Enquanto espero que ele volte, de novo, a este pátio.
Recordar tudo, de uma só vez, me dá sofrimento. Por isso, vou lembrando aos poucos.
Me debruço na varanda e a altura me tonteia. Quase vou na vertigem.
Sabem o que descobri? Que minha alma é feita de água.
Não posso me debruçar tanto. Senão me entorno e ainda morro vazia, sem gota.
Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.
Não há rosto que não envolva uma paisagem desconhecida, inexplorada, não há paisagem que não seja povoada por um rosto amado ou sonhado, que não desenvolva um rosto por vir ou já passado. Que rosto não chamou as paisagens que amalgamava, o mar e a montanha, que paisagem não evocou o rosto que a teria completado, que lhe teria fornecido o complemento inesperado das suas linhas e dos seus traços?
Você é aquilo que ninguém vê. Uma coleção de histórias, estórias, memórias, dores, delícias, pecados, bondades, tragédias, sucessos, sentimentos e pensamentos.
Se definir é se limitar. Você é um eterno parênteses em aberto, enquanto sua eternidade durar.
... gostava que os seus modelos falassem constantemente, desde que se conservassem imóveis. Isso dava às suas expressões uma vida submarina e enriquecia os seus olhares com interpretações inconscientes dos seus pensamentos - a verdadeira beleza da carne.
E sinto por mim o desprezo que deveria ser teu. Odeio-me. Mas não consigo parar de falar, forço-me a continuar. Porque sei: quando parar, restará apenas o silêncio. Nada mais nos unirá. Na verdade, estas palavras são tudo o que temos, o que ainda nos une, a nossa única possibilidade. Nada mais existe, nada mais somos.
Caem-lhe as peças de xadrez do tabuleiro derrubadas por movimentos mal calculados. Ouvem-se no andar de baixo a embaterem no soalho e calarem-se num som trémulo, quase um lamento. Ele apanha-as e volta a colocá-las nos lugares de que se lembra. Sabe que erra os lugares, principalmente quando cai mais do que uma peça. Sabe também que não importa. Como não importa quem ganha ou quem perde, ele ou o outro que com a sua mão joga do outro lado. Importante é não parar de jogar.
Cansar a noite, cumprir a vida, deitar-se para amanhã recomeçar.
Sem minha mãe, acho que jamais teria me saído bem na pantomima. Ela possuía a mímica mais notável que já vi. Às vezes, ficava durante horas à janela olhando para a rua e reproduzindo com as mãos, os olhos e a expressão de sua fisionomia tudo o que se passava lá em baixo. E foi observando-a assim que eu aprendi não somente a traduzir as emoções com as minhas mãos e meu rosto, mas sobretudo a estudar o homem…
A minha memória não é uma fonte de sofrimento. Certas partes são como uma loja de penhores, outras como um aquário, outras como uma despensa. Julgo que há um sítio onde a memória se distorce como as imagens nos espelhos de feira e é essa a área que mais me interessa.
Me dê as flores em vida; o carinho, a mão amiga, para aliviar meus ais. Depois que eu me chamar saudade, não preciso de vaidade, quero preces e nada mais.
é um tempo de cinza, este que vivo sem ti. é um tempo nulo, este que atravessa os dias de espera.
tempo de cardos no coração. tempo que se amachuca numa folha de papel escrita.
nada, a não ser a respiração que acredito ser minha.
Esta é a melhor altura do ano
para cortar o cabelo – profere Sandy,
remexendo com a ponta dos dedos
alguns fiozinhos na testa.
A porra da lua atrai as marés,
cria tsunamis, invade o Japão,
provoca uma crise nuclear,
porque é que não haveria de fazer
crescer o cabelo?
Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve haver certamente outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estarei perdido.
Passava todos os dias pela mesma margarida. No começo a admirava com olhos encantados, mas com o tempo, o amarelo da flor se tornou comum. Deixou de percebê-lo. Não foi a cor, entretanto, que desbotou. Eram os olhos que haviam apagado. Cuide para a rotina não te descolorir!