"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

28.2.11


Um dia vais pela rua como quem
já não deseja nada deste mundo:
olhas pro céu, reparas no inferno
e todas as pessoas são iguais,
inocentes obstáculos povoando
a memória indelével. Continuas,
atravessas o parque e de repente
encontras o regresso já perdido
no dia do juízo. Fica aqui,
coisa inútil que alguém deixou arder,
resto de prata acesa em mil estilhaços
e espera pelo último semáforo,
pela última canção perto da noite
até que o vento seja o teu destino.

Fernando Pinto do Amaral

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

27.2.11


Madrugada

E de dentro dela
abraçada
ao silêncio das horas
eu devaneio
de alma exaltada!

Ouço vozes
entre luzes coloridas
... há paisagens vigilantes
nessas madrugadas esquecidas!

Sinto que sou flor
sob as carícias do orvalho:
ele surpreendeu-me viçosa
... são seus
todos os meus beijos de amor!

Vejo
melancolia saudosa
a cantarolar seus prantos...
A aurora aconteceu...
é toda voluptuosa!

Dá-me a mão,
ó madrugada!

Agasalha-me nos teus encantos!

Alvina Tzovenos

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

26.2.11


Nua na janela

Estou nua na janela…
de alma e de corpo despida
apenas um esboço numa tela
um rasgo de cor, pedaço de vida.
Nos meus olhos a chuva cai
desliza por meu peito até ao chão
então calmamente a tristeza vai
e cada lágrima lava a solidão.

Estou nua na janela…
ofereci o meu corpo ao luar
minha alma é apenas luz de vela
que vento nenhum vai apagar.

Sandra Nunes

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

25.2.11


Todas as manhãs, entre o enfiar
do sapato esquerdo e do sapato direito
ela vê a vida desfilar-lhe diante dos olhos.

Por vezes só a custo consegue
calçar o sapato direito.

Judith Herzberg
(trad. Ana Maria Carvalho)

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

24.2.11


A canção do amor
será possível sob o vinho da verdade,
sob a morte da lagarta
e, sobretudo,
sob as metáforas de paz e de
guerras.

Seremos entre as vagas e espumas
flores rubras,
pássaro ferido e lagartos
(estranhezas)
palavras sem contornos,
serpentes entre algas de viver
- tão só indagação
silencioso pensar.

Eulália Maria Radtke

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

23.2.11


Negra bílis

Há meses que vivo rodeada
por uma substância negra e pegajosa
que invadiu a minha casa. As paredes,
o chão, as janelas e os móveis,
a comida, os livros e a roupa,
o teclado do computador, as plantas,
o telefone… Está tudo impregnado
com esta pez escura, a mesma que respiro
e que me mata pouco a pouco.
Dizem que os venturosos e os néscios
chamam melancolia a esta porcaria
que apodrece o coração e asfixia a alma.

Amalia Bautista

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

22.2.11


Ressonância

Fico a ouvir cada som,
infindo ou fundo,
que me acata ou alcança.

Desconfio, mais e mais,
de cada um. Sem travas,
transam sem fim...

Jairo De Britto

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

21.2.11


Medo...

Hoje eu tive medo da morte
da minha falta de sorte
de perder meu consorte
de ficar sem um norte.

Hoje eu tive medo da vida
de me sentir perdida
de ficar esquecida
de não suportar a ferida.

Hoje eu tive medo do dia
de não ter fantasia
de perder a alegria
de não fazer folia.

Hoje eu tive medo da verdade
da minha fragilidade
da minha enfermidade
de não ter felicidade.

Hoje eu tive medo da dor
de não viver um amor
de ter algum dissabor
de não enxergar uma cor.

Hoje eu tive medo de mim
de não me aceitar assim
de não entender um fim
de não querer viver, enfim!

Andrea Lucia

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

20.2.11


Esquina de um tempo

Parada à esquina do tempo
Esperei por ti
E não voltaste!
Sentada a um canto da vida
Esperei por ti
E não chegaste!

Entao fui sede de esperança,
Gaivota pousada em terra.
Fui mar que não tem bonança,
Da minha paz, eu fiz guerra.
Fiz da tristeza guarida,
Bordei lençois de saudade.
Fui pássaro de asa ferida,
Fui velha sem ter idade.

Senti fome de te ver,
E mordeu tanto o desejo,
Que à noite, mesmo sem querer,
A sonhar pedi-te um beijo.

E então fiquei
Parada a esquina do tempo
E não voltaste
E então esperei
Sentada à esquina da vida
E não chegaste!

Maria Luisa Baptista

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

19.2.11


Mesmo na porta da igreja aqueles pensamentos ainda insistiam: e das vezes em que esperei tua presença; das vezes em que quis teu colo; das vezes em que apenas te quis...?

Nem ao menos as flores reconciliadoras eu recebi.

Mandei que entregassem o buquê ao noivo, dei meia-volta
e parti sem olhar para trás.

Elise

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

18.2.11


Ela perguntou-lhe a cor dos seus pés.

Ele respondeu silenciosamente que eram da cor da pedra.

Ela percebeu e sorriu.

Ela gostava de andar descalça, de esfolar os pés e de os gastar,
gostava de tocar o chão rugoso com as suas palmas
e de sentir o caminho de uma outra forma, muito avessa.

Ela gostava de pés que se podiam usar, vestir e calçar,
disse-lhe depois de o seu silêncio terminar.

Ele respingou que os seus pés sabiam amar e podiam ser bebidos como água fresca. Que os seus pés tinham asas escondidas e segredos doridos.

Ela apaixonou-se...

Agripina Roxo

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

17.2.11


De floração

Acordei dolorida, seios inchados, mamilos mudando de cor.
A pele aveludada, os olhos brilhando. A barriga tornando-se esguia, os braços abrindo-se, ficando leves. Os lábios úmidos. Um líquido vermelho, uma pétala brotando entre as pernas, a primeira. Cúmplice, ele abriu as cortinas da janela, me pôs ao sol, e não descuidou da água que eu sorvia em goles sôfregos.
Depois, me tirou os espinhos...

Elise

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

16.2.11


A feminina nuca

Os cabelos
enrolados
despiam-lhe a nuca
expondo a penugem
e a raiz das melenas.

Vislumbrei
o pescoço de uma garça
e o seu branco córrego,
vórtice sensual.

Altiva e grácil
a silhueta
tornara-se
deleite e súplica.

E o que mais fosse
seria despenhadeiro;
e o que mais falasse
era rubor, era entrega.

Waldir Pedrosa Amorim

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

15.2.11


Musa

Nenhum perfume disse que chegaste.
Não houve sobressaltos, nem sinais.
Chegaste, assim como quem chega, e parte
de tudo parte, para nunca mais
achar o rumo, longe do que fui.
Resta de mim somente algo de novo,
muito antigo e completo, feito fogo
ou verdade, tão novo como luz,
cidade, paz, necessidade, pão,
algo tão novo como tudo em vão.
E segue meu delírio a te seguir.
Nenhum perfume disse que partiste.
"E não partiste", meu delírio insiste.
Talvez perdido em ti dê trégua a mim.

Luis Antonio Cajazeira

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

14.2.11


Beco

Rua deserta,
céu sem estrelas.
Ecoa firme o fino salto
no chão de asfalto.
Nada procuro.
E não temo
o obscuro que
no beco me espera.

Débora Linden Hübner

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

13.2.11


fecho

intenso
até o vazio
de um contador de histórias.

As minhas sandálias
já pariram
todo o pó do caminho.
mergulho lânguido
nos favores do descanso.

honro a deliciosa anestesia
onde faço traquina
o que me vai na alma.
saboreio insano
o que furtei à vida das palavras.

sorrio prisioneiro
dos versos que soltei,
do namoro contínuo
com as emoções.
como me seduzem
bordando os contornos,
os princípios e a sólida moralidade
onde construo o fim.

sei
definitivamente,
o tempo imenso
que terei para dormir
quando morrer.

Joaquim Amândio Santos

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

12.2.11


Entardecer

Amanhecem em mim
todos os dias quentes
de um tempo que já vivi.

Em que virgem me fiz mulher,
mãe-menina de mil solidões,
embalada no sonho
que é a vida, aos turbilhões.

Amanhecem em ti
gaivotas no olhar,
plenas de liberdade
voando em dias serenos
de marés azuis e corais floridos,
de águas profundas,
longe das multidões.

Entardecem em nós
momentos fulgurantes
em esvoaçares constantes
de ave roçando o azul
do imenso infinito,
onde a eterna melodia
tocará até ao nascer do dia.

E, da janela da vida
o sol quente, suavemente,
num mar calmo de ilusões
entardeceu.

Otília Martel

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

11.2.11


Mulher de véu

Embaixo deste véu, caldeira fria.
Por cima dos meus olhos,
doce agonia, escondida na aderência
do momento mágico que desnudo
com olhos de gato pardo perdido.
Penso, o que me faz tão ausente?
Desejo incandescente de mulher-andorinha
acostumada sempre a fazer verão.

Cláudia Villela de Andrade

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

10.2.11


Balada de Chang-Kan

Arrastavas os pés quando te foste.
Cresce musgo agora, sobre os traços dos teus pés,
tão profundo que não se pode arrancar.
Antes do tempo, caem às folhas neste outono ventoso.
Pares de borboletas salpicam de amarelo o jardim ocidental.
Entristecem-me. A minha pele perde o tom rosado.

Se regressares através da Garganta do Rio Azul,
por favor, não te esqueças de me avisar.
Para que eu possa ir ao teu encontro.
Tal é a minha ânsia de te abraçar,
que não me metem medo o vento de areia,
nem a distância.

Li Bai

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

9.2.11


Às vezes paro à porta com o olhar perdido e habituado ao silêncio, há mais desertos ainda, dias e morte noutros olhos. Com a garganta habituada à sede,com os pés às feridas, saio para a rua e já não há umbrais. Ando um dia, passo outro, acabo uma semana de vidros partidos e tosse mais velha. Hoje parece que sempre choveu sobre mim, e não me importa se a chuva já não se parece ao esquecimento e apenas deixa charcos, paredes mais sujas e fuligem e tristeza nos olhos de rímel, ainda tenho sede e não me importa voltar às coisas más e aos velhos tugúrios à procura de algo que não encontro nem recordo, que costuma principiar por um encontro, talvez por outra palavra e corre o perigo de crispar-se até à forma da folha da faca. Às vezes tudo é tão estranho que não basta continuar a andar.

Alfonso Barrocal
(trad. de Joaquim Manuel Magalhães)

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

8.2.11


como caber-te na pele?

coleciono janelas com flores. pétalas. dedos que crescem ao sol, que despontam na primavera. outrora florias. e a tua pele era veludo na minha língua. guardava-te em beijos. os lençóis eram terra. a saliva, húmus. dou-te os meus olhos. hoje. nesta primavera de sol ausente. as mãos vazias de outras mãos. não te preocupes. não vou dizer nada que não tenha já sido dito.não vou rasgar as cartas que deixaste de me escrever.não vou riscar o teu nome das superfícies onde o gravei. o vidro embaciado, a areia da praia, o muro do jardim, o guardanapo, o banco de igreja. a pele. a derme. a epiderme. passavam poucos minutos das dez quando te conheci. agora é um pouco mais tarde. mas cedo ainda para dizer que te esqueci.

contraluz
(desconheço o nome do poeta)

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

7.2.11


Completo

Eu gosto dos pecadores, dos alagados e dos intensos.
Dos que respiram o que bebem e dos que amam o que são.
Eu gosto dos que em silêncio devoram o mundo.
Dos que traduzem para a língua do amor os detalhes casuais.
Eu gosto dos que se apaixonam, dos que sentem e dos que vivem.
Eu gosto desses: dos incontrolavelmente emocionais.

Gabriele Fidalgo

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

6.2.11


as mãos podem segurar o voo

as mãos podem segurar
as asas um impulso uma queda

as mãos podem rever os poros
e deslizar na pele

s mãos podem revelar o fogo
como se um anjo tocasse a matéria

as mãos podem ser o voo

Gisela Ramos Rosa

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

5.2.11


Em minha voz, um veleiro traçou um rito de espantos,
um itinerário de espumas em despedida. Nas origens
do mundo, o vento batizou o meu nome, imprimiu,
em minha pele, um sol sem margens, um dia sem muros.
Na manhã em que nasci, um bando de garças
iluminou o profundo silêncio dos milagres.

Alexandre Bonafim

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

4.2.11


Casa vazia

Essa casa, onde atrás de cada porta fechada
me descobrias parques, jardins, nascentes...
um imenso espaço risonho aberto à floração da luz,
essa casa onde eu era contigo um curso de água
ou um desejo de vôo,
essa casa está vazia.

Eugénia de Vasconcelos

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

3.2.11


Decote

Se eu tocasse
um instrumento
saxofone
um movimento de jazz
talvez
acompanharia
coadjuvante
as variações
dos meus olhos
descendo e subindo
cabelos ombros e fendas
por isto toquei suas costas
que ouviram
da minha mão
aquele solo
que me descompôs
não sei de partituras
muito menos de cifras
mas tenho nos meus dedos
cinco notas inacabadas
um dia vou soprá-las
no seu corpo
será
a um só tempo
minha iniciação e sintonia.

Al-Chaer

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

2.2.11


...quando estás frente a mim, os teus olhos falam-me das coisas, de todas as coisas que flutuam entre nós, à deriva. e eu, quando os ouço, sou como um corpo náufrago na terrível dimensão do mar onde, em cada barco afundado, há uma morte silenciosa ou o prenúncio de um amor ainda por acontecer.

(desconheço autoria)

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

1.2.11


Dois mundos - e eu venho do outro

Atrás e dentro
estradas ensopadas
atrás e dentro
névoa e laceração
para lá do caos e da razão
portas minúsculas e duras cortinas de couro,
mundo selado ao mundo, compenetrado no mundo,
inenarrável desconhecido ao mundo,
pelo sopro divino
um instante suscitado,
pelo sopro divino
logo cancelado,
espera o Lume escondido, o sepulto Sol,
a portentosa Flor.

Dois mundos - eu venho do outro.
(...)

Cristina Campo

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨