Uma espécie de perda
Usamos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis e linho e uma
cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,
gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.
Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por
Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma
cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,
(o jornal dobrado, a cinza fria, o papel como um aponta- mento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.
De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor
mais intensa.
A campainha da porta era o alarme de minha alegria.
Não perdi a ti, perdi o mundo.
Ingeborg Bachmann
(Trad: Judite Berkemeier / João Barrento)
Usamos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis e linho e uma
cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,
gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.
Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por
Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma
cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,
(o jornal dobrado, a cinza fria, o papel como um aponta- mento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.
De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor
mais intensa.
A campainha da porta era o alarme de minha alegria.
Não perdi a ti, perdi o mundo.
Ingeborg Bachmann
(Trad: Judite Berkemeier / João Barrento)
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