"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

31.3.11


Estigma

Um de repente caótico no vazio.
A inquietude absoluta de viver a alternativa
e não mais tê-la.
A atração irresistível do egoísmo,
do silêncio prepotente,
uma galeria de gestos interrompidos...
Ah!... mal resolvida criação,
esse convívio tão aflito com a solidão.

Edmar Monteiro Filho

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30.3.11

Espero o alvorecer

Espero o alvorecer que me há-de devolver todas as aves que perdi. A meu lado descansa a penumbra que alonga os seus braços ao copo vazio, sobre a velha secretária do avô. Estou sentada e penso na época das certezas mais antigas, das crenças que traçava em todos os gestos que inventava. Estou parada neste tempo, o tempo da minha casa, do meu corpo, ajustado ao espaço, às paredes nuas, ao silêncio dos gatos adormecidos. Estou sentada e olho a minha própria presença, perdida nesta ausência sossegada.

Bibi Pereira

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29.3.11


Five o'clock tea

Coisa tão triste aqui esta mulher
com seus dedos pousados no deserto dos joelhos
com seus olhos voando devagar sobre a mesa
para pousar no talher
Coisa mais triste o seu vaivém macio
p'ra não amachucar uma invisível flora
que cresce na penumbra
dos velhos corredores desta casa onde mora

Que triste o seu entrar de novo nesta sala
que triste a sua chávena
e o gesto de pegá-la

E que triste e que triste a cadeira amarela
de onde se ergue um sossego um sossego infinito
que é apenas de vê-la
e por isso esquisito

E que tristes de súbito os seus pés nos sapatos
seus seios seus cabelos o seu corpo inclinado
o álbum a mesinha as manchas dos retratos

E que infinitamente triste triste
o selo do silêncio
do silêncio colado ao papel das paredes
da sala digo cela
em que comigo a vedes

Mas que infinitamente ainda mais triste triste
a chávena pousada
e o olhar confortando uma flor já esquecida
do sol
do ar
lá de fora
(da vida)
numa jarra parada

Emanuel Felix

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28.3.11


nem um rumor se insinua
na insuportável tensão das paredes
mudas testemunhas do fio das horas
só um leve raio de sol
acaricia lento a soleira da porta
e a esperança que se espreguiça
no regaço côncavo das mãos

Alice Daniel

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27.3.11


Cansaço

Todos os brancos sonos
Da minha calma
Caíram na fímbria escura do firmamento.
Ora a dúvida cobre minha alma
E meus sonhos são produtos do tormento.
Ah, queria dormir de anseios livre
Saber de um rio fundo, como o que em mim vive.
E fluir com suas águas...

Else Lasker-Schüler

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26.3.11


Saudade

Não assisto o dia nascer pelo cansaço que me toma.
Acordo quando os pássaros já pararam de cantar,
sentindo o peso da tua falta e a saudade do beijo no amanhecer.
Tua ausência me acompanha passo a passo.
Na lembrança, o passado pouco distante me alcança a cada hora.
A noite cai e te tenho mais perto em meus pensamentos.
Fecho os olhos e te encontro em meus sonhos.

Débora Hübner

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25.3.11


Casa trancada

Que tipo de casa suburbana é o meu peito
Que guarda entre os seus cômodos vazios,
Vultos, sonhos e os anseios mais sombrios
Que de uma criatura singular é de direito?

Que dores percorrem o corredor estreito
E separa o imóvel como margens de um rio?
Qual foi o erro ou desengano que fez vazio
O espaço outrora alegre que envolve o leito?

Casa vazia. Triste como qualquer casa vazia.
Casa que apagou o sorriso de quem se ria
E se trancou com portas e janelas gradeadas.

Casa vadia. Triste como qualquer casa vadia,
Mas nas paredes ainda há quadros e fotografias
Enquanto a vida roda e continua na calçada.

Danilo del Monte

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24.3.11


Olhando-se

O espelho enche-se com a tua
imagem; e queria tirá-lo da tua
mão, e levá-lo comigo, para
que o teu rosto me acompanhe
onde quer que eu vá.

Mas sem ti, o espelho
fica vazio; e ao olhá-lo, vejo
apenas o lugar onde estiveste, e
os olhos que os meus olhos procuram
quando não sei onde estás.

Por que não fechas os olhos
para que o espelho te prenda, e
outros olhos te possam guardar,
para sempre, sem que tenham de olhar,
no espelho, o rosto que eu procuro?

Nuno Júdice

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23.3.11


Cobiço o sol nessa minha cara de chuva

Ponto de partida.
Eu e os meus contrapontos, nas suas complexas conexões.
Entre o branco e o preto, ilógica e incoerente minha alma navega em estado apocalíptico nos debates íntimos do paraíso perdido.
Sentimentos escondem-se em narrativas cifradas por suas rochas subterrâneas. Uma forma crua de acesso aos sons desafinados dos desejos e anseios estanques revelados no universo onírico de minha alma alarmada diante de mim mesma.
Na ordem desordenada do abalo sísmico do abismo que me guarda e me amedronta, me debruço e invoco a calma.
Quero uma calma mediática, harmônica e voraz.
Quero pensamentos mágicos roubando-me desse isolamento que me prende, com uma âncora, às esquinas de meus medos e às zonas de turbulências.
Minha urgência reflete-se no visível, no grito da alma, nos sentimentos bailarinos de minhas veias, no cansaço da tristeza, nos sonhos caídos por terra, nas distâncias insanas, nas sintonias dessintonizadas.
Coração está asilado. Sufocado. Sentimentos no avesso.
Cobiço o sol nessa minha cara de chuva, porque a vida não peguei emprestada.

Rosa Berg

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22.3.11


Direi

... foi um dia assim, leve como o soprar
das folhas ao vento... e direi dos ventos
e das folhas e direi sempre o que nos rodeava...
Direi até das tormentas que em meio a noite,
em sobressalto no meu colo se aninhava...
Direi do tédio que nos apanhava,
um longe do outro, essa vontade de se devorar
que da alma se apossava... direi sim das coisas boas
e das que achavamos ruins... delas ao findar de tudo
se traduziam em amor, porque sempre foi amor o que nos unia...
Direi tanto que te amo e que sempre te amarei, não direi por
certo que te amava, se esse tempo nunca conjuguei...
Direi sempre em qualquer forma de poesia,
nela você estará como brilho na luz do meu dia...

Arruda Bonfáh

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21.3.11


Peito Perigeu

Em que pedra da lua guardarei
meu tecido peito cruzado,
pacto de sombra e luz, sobrada
adormecida na casa?

Talvez nas sobras dum ribeiro, reclamado maré demais,
na asa acontecida
meu lado, eixo perigeu,

Talvez no remate da estrela feita chama
claro poema suspenso no céu, navegante
meu lado, peito perigeu.

Em que rio de poeira, em que inteira lua cheia
meu tecido fogo na margem,
saberei da acontecida madrugada,
quase nada, um ruído
adivinhado dentro, incerto
no peito cruzado, restolho adormecido na terra
a grande lua, tão pouco seixo
eu, único verso.

Leonardo B.

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20.3.11


Pior

Não é apenas só
que estou me sentindo...

É muito pior:
- estou me sentindo sem voce.

JG de Araujo Jorge

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16.3.11


Aos amigos e visitantes

Estou sem condições de postar no blog...
ainda sinto muito forte a perda repentina de meu marido.

Grata por sua visita!

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14.3.11


Ouço-os em redor do meu caixão, falando baixinho.
Lamentam-se dizendo que é injusto... tão injusto.
Ficam calados durante uns instantes, talvez olhando
para o chão, talvez perguntando-se que horas serão;
e depois repetem: tão injusto. Alguém diz pesaroso:
teve uma vida simples e monótona, tão altruísta.
Ninguém responde: e o silêncio incomodando.
Novo lamento: uma vida de sacrifício, para que
fossem felizes. Depois, uma confissão inesperada,
quase inaudível: tanto que a amávamos. E eu no meu
caixão, quietinha. Um pouco surpreendida: amavam-me?
E só agora é que mo dizem?

Paulo Kellerman

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13.3.11


Luto

Pode ser branco
ou ser negro
ou mudez e silêncio.

Reflectir melancolia
angústia ou dor
ou a perda de um amor.

Luto
será sempre
o fruto
duma passagem
em que o fim
tem encontro na outra margem.

Para mim,
o luto não tem cor
tem dor!

Luiza Caetano

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6.3.11


Devagar

Enquanto ela se vai, eu ainda sinto seus lábios na minha pele. O sabor deles. Fico ali só olhando, até ela dobrar a esquina no final da rua. Um pouquinho antes de ela dobrar, ela sabe que fiquei lá parado e se vira para acenar.
Levanto a mão para responder, e então ela se vai.
Devagar.
Às vezes dolorosamente.
A Audrey me mata.

Ed Kennedy
(personagem de Markus Zusak)

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5.3.11


Março

... e estes marços doendo
como pedras nos rins,
charadas que não invento
e nem sei de memória
se há memória
além de um domingo de março
azul, perfeito.
Todas as areias rolaram sobre
de todas as possíveis clepsidras
só o olho-farol, olho brilhante
antigo, a me guiar nas trevas
do regresso. Não haverá,
não haverá, porto, viajante,
nenhuma ítaca te espera,
nenhuma colchida, nem mesmo os arrecifes
no cais de tua infância.
Apenas a morte suave de olhos triste
tão rápida e indolor, tão limpa guilhotina.

... e estas tardes de março
viageias. Sei o peso da ausência.
Sei a dor das lembranças tatuadas
na carne, coladas e desfolhadas
como pele queimada que se arranca.
nenhuma presença é mais real
que a falta. Corpo de solidão
deslizando entre móveis, marfins,
folhas soltas de um livro,
marca da prata, desenhos no tapete,
cavalos, leão de pedra, lembranças
que se acendem em faróis iluminando
o outro lado do abismo,
o precipício, o vazio, onde tudo acaba.

Myrian Fraga

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4.3.11


Não te procuro entre meus bordados de renda, meus brocados de seda, meus perdidos em gavetas. Não te procuro, cada vez mais não te procuro, e cada vez mais te encontro decalcado em todas as impressões do dia, tatuado em cada centímetro do corpo, embrenhado insólito em meus sinais vitais.

Patricia Antoniete

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3.3.11


A casa

Pedra sobre pedra
Construí esta casa:
Tijolo, sonho e argila.

Custaram-me os alicerces
A metade da asa
direita,
A outra metade,
Serviu de escora
Às traves que a sustentaram.

A asa esquerda perdeu-se
Na argamassa.

Esta casa, para fazer,
Levou-me anos
De solidão e fomes
Aplacadas.

Uma casa tão clara,
Aberta aos ventos,
E a cada dia sempre
Renovada.

Aqui plantei minha vida,
Nos esquadros
E soleira das portas.
Ancoradouro e barco,
Minha casa.

Daqui se ouvia o mar
E o canto das sereias,
Se nostálgico das janelas
O olhar se alongava.

Mas o perfume do incenso
Rolava nos altares, deuses lares,
E eu ficava e fui sempre
A guardiã da casa.

Pássaro do abismo,
Mensageiro da desgraça,
Meus olhos marinheiros
Pressentiram o desastre.

Ventos do sul sopraram
Sobre a casa. Marés de março
Enormes, com suas vagas,
Submergiram e arrasaram
Da soleira aos telhados.

Olho de furacão,
Espiral de sargaços,
Conheci o sumidouro,
A fúria da voragem.

Sobrevivente do escarcéu
Hoje, náufraga, na casa,
Sei que as paredes permanecem
Intactas, com suas marcas,

E novamente, aos poucos,
Com meus dedos quebrados,
Vou recompondo lentamente
A cumeeira arrasada.

Myrian Fraga

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2.3.11


Personagem

Deixava que o olhar seguisse
meio perdido meio assente
em pormenores do terreno sem que os visse

era frio: e no entanto aquilo por que ia sempre fora

matéria ardente,
miragem de uma atenção alucinada

ainda não sei hoje que nome dar àquilo
o amor não é tão duro

Maria Andresen de Sousa

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1.3.11


basta
não quero mais morte
não quero mais dor ou sombras basta
meu coração é esplêndido como a palavra

meu coração tornou-se belo como o sol
que sai voa canta meu coração
de manhã cedo é um passarinho
e depois é teu nome

teu nome sobe todas as manhãs
aquece o mundo e se põe
só em meu coração
sol em meu coração"

Juan Gelman
(trad. de Antonio Miranda)

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