"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"
vem aí alguém
disseram-me que foste visto, agora mesmo, numas escadas quaisquer, de uma rua qualquer, a fumar um cigarro e a olhar para o céu. esperas alguém? uma voz? uma estrela? uma gota de chuva? um foguete fora de hora? um balão vadio? ah! não, já sei... esperas que o ano acabe, e não queres dar nem mais um passo. esse cigarro é o último do maço, é o sabor que queres ter na boca, é o silêncio com que me recebes, é a espera em si.
meia-noite: cheguei. podes apagá-lo sem o terminar. dá-me a mão, o mundo espera-nos, o novo ano também.
Josephine
Feliz Ano Novo, amigos e visitantes!
Que os anjos do Criador cerquem suas vidas de paz, esperança, amor, saúde e alegrias.
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Sou lunar de duas sombrias luas
Eu não penso, nem me queixo,
nem discuto,
nem durmo.
Não desejo nem sol,
nem lua, nem mar,
nem barco.
Não penso no calor que faz entre estas
paredes,
nem como o jardim está verde;
e esse presente, que tanto desejei,
já não o espero.
Não me anima nem a manhã, nem
o eléctrico
o seu tilintar alegre,
vivo sem ver o dia, esquecendo-me, do tempo,
o ano e a hora.
Sobre uma corda estragada,
eu danço – pobre dançarina.
Sou a sombra de uma sombra. Sou lunar
de duas sombrias luas.
Marina Tsvétaïeva
(trad. António Mega Ferreira)
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connect the dots
acordar todos os dias com o nó na garganta. deitar todos os dias num pleno vácuo de força anímica, esgotada em ansiedades. entre cá e lá, não me encontro em lado nenhum.
um lápis, de carvão macio. que me junte, finalmente, os pontos. transforme as reticências em linhas sinceras. e me trace os caminhos na palma da mão.
eu depois preencho os espaços com tinta da china e aguarelas de cores vivas.
(desconheço autoria)
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Devo dizer, para ser franca, que já várias vezes tinha acedido a sair com ele. Não para ir ao baile. Ele dizia que não gostava de dançar. Na realidade, não sabia. Mas não me impedia que o fizesse. Eu também não gostava por aí além de dançar(...) Preferia ir até ao campo com ele. Ora me levava a Saint-Germain, ora a Fontainebleau, ora à beira do Sena ou do Marne. Alugávamos um barco. Ele remava. Eu ficava sentada à sua frente sem dizer nada. Ele também não dizia palavra. Olhava para mim enquanto remava e de vez em quando sorria-me. Eu então também sorria para ele. À volta, tomávamos um “panaché”, com umas batatas fritas, numa tasquinha lá do sítio e voltávamos de comboio, ou numa camioneta à pinha, com os braços atafulhados de flores do campo. Flores que cheiravam bem. De regresso a Paris, quase me sentia asfixiar. Gostaria de ter lá ficado, em Athis-Mons ou em Gagny, uma semana inteira deitada na relva ao pé dele, a olhar para o céu.
Raymond Guérin
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Sonhos de Natal
Aquele velhinho sempre povoou os meus sonhos!
Ao acordar, eu olhava e não o via...
O saco de brinquedos era minha adoração!
Ao acordar, eu procurava e não o encontrava.
O sapato, na janela, continuava vazio...
Em cada aniversário dele, eu sonhava e buscava.
E os sinos repicando na torre da Igreja
Blém-blom... blém-blom... blém-blom
Pareciam me dizer: desilusão... desilusão... desilusão...
O tempo foi passando, a dor eu acalentando,
Até que entendi que o brinquedo era simbólico
Que o velhinho não existia
Que aquele, era o dia da Salvação!
Que Maria deu seu filho Jesus
para a nossa Redenção!
Com alegria percebi
que os sinos mudaram o som
que em mim agora ecoava
a palavra coração... coração... coração...
E o espírito do Natal, eu comecei a viver!
(Desconheço autoria)
Feliz Natal, amigos e visitantes!
Que vocês possam ter a alegria de viver o espírito natalino em sua plenitude!
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Percentagens
Sou 100%.
5% de lágrimas,
5% de sensatez,
1% de prudência,
2% de dúvidas,
4% de ilusão,
3% de calma,
15% de expectativas,
25% de ansiedade,
20% de loucura,
20% confiança.
Isso basta?
Não.
Algo falta...
Quem sabe uma pitada
De 150% de imaginação?
Gisa
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Dentro da caixa
Ao abrir...
Reparo sempre que ela própria não consegue dar à corda a sua própria manivela de bailarina de caixinha-de-música.
Reparo sempre que as mãos não chegam às costas, estão sempre na mesma posição: levantadas para o tecto, como as pontas dos pés e dos cabelos.
Reparo sempre que é um corpo esticado em "i" que roda com as notas musicais e faz rimas de coisas que ouve da boca de quem abre a caixa: sonho, senha, ranho, lenha, canto, acanto... - Que são folhas de acanto? Pensará ela, mas nunca me diz nada, só se olha ao espelho da tampa da caixinha que a engole no escuro sempre que ninguém lhe dá à corda.
Reparo sempre que é uma cariátide no vazio, sem nada que segurar para além da imensidão do nada quadrado duma caixa que a melodia do xilofone martela.
Reparo sempre que é um corpo rotativo de pés presos onde só a cabeça e o coração voam em sonhos.
Ao fechar...
Reparo sempre que me pareço a ela e por isso volto a abrir a caixa e faço-lhe companhia.
Bruna Pereira
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Usos repetidos
Olho
pelo vidro
da janela
o passar intermitente
da vida
Pausado
mas contínuo
o ritmo do ritual
avança incessante
em busca do amanhã
que depressa
será ontem
E pergunto
à sabida janela
o porquê
de tantos usos
repetidos
O vidro
não responde
com palavras
mas incha
e embacia de rotinas
que me respondem
Baixo a persiana
para esconder o óbvio
Francisco J. Picón
(trad. Albino M.)
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O rosto (...) apresentava uma imobilidade semelhante a uma máscara, característica da maquilagem perfeita e discreta. Entrou no quarto protegida pelo manto da perfeição artificial com que as mulheres que já são bonitas costumam se armar contra o mundo.
Josephine Hart
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Mas, afinal, quem sou eu, esta pessoa que se encosta ao portão e observa o nariz do cão que a acompanha? Às vezes penso (ainda não cheguei aos vinte) que não sou uma mulher, mas antes a luz que incide neste portão, no solo. Por vezes, penso ser as estações do ano, Janeiro, Maio, Novembro; a lama, o nevoeiro, a alvorada. Não posso ser empurrada para o meio dos outros sem me misturar com eles. Contudo, apoiada ao portão, sinto um peso que se formou junto a mim e me acompanha.
Virginia Woolf
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Vamos ser felizes por um tempo, vida minha,
embora não haja razão para sê-lo, e o mundo
seja um balão de gás letal, e nossa história
um filme B de bruxas, zumbis e vampiros.
Felizes porque sim, para que um dia gravem
em nossa sepultura o seguinte epitáfio:
“Aqui descansam os ossos de uma mulher e de um homem
que, não se sabe como, conseguiram ser felizes
dez minutos seguidos”
Fabiano Calixto
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Um amém de santo...
Que o palco nosso de cada dia nos dê hoje
alimento aos sonhos e fome aos medos,
verdade aos pés e beijo à boca,
maciez aos olhos e mágoa pouca,
um Amor com histórias,
um aroma às memórias,
doces vinhos e glórias,
e certeza aos amanhãs,
o saber do tempo,
o sabor do intenso,
o calar do vento,
o calor do outro,
celebrar o pranto
de um milagre pronto,
festejar o encontro
com qualquer imenso.
E um amém de santo.
Guilherme Antunes
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Procuro
Procuro saber como flutuar. Saber como se lêem as ruas plenas de trânsito quando o que queria era só ... [como colocar os pés nos caminhos que ...] saber como respirar. Saber como silenciar a sofreguidão [como silenciar o silêncio] ... como parar de doer. Como ... procuro uma viagem que não termine antes do seu fim. Uma árvore que fale dos ventos que lhe mudam a direcção [ainda não a conheci] ... procuro ser simples e fazer parar o tempo. Só. [ser simples] ... Procuro à noite as cores e não me importo de adoecer em ti. Procuro o meu coração.
Francisco Vieira
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O gosto das almas
Gosto de xícaras
Gosto de xícaras brancas
Com beiradas bordadas de jasmim
Que abrigam o chá de almas
Fluído das lágrimas, mares de sal.
Xícaras brancas com beiradas de rosas
Que envolvem o conteúdo
Do calor de almas que se abraçam
Gosto do silêncio das xícaras brancas
E do calor saltam dançarinas
O bordado de jasmim sorri.
O chá das almas exala fadas brancas, diáfanas
Que dançam no ar por segundos e morrem
Espalhando o perfume das frutas e das flores.
Luciana Montechiari
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Hoje soltei os pássaros
fechei a porta da gaiola
e voei com eles
Fui-me embora
Luísa Veríssimo
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Fútil
Recolhi minha insignificância
Num dia de domingo
Guardei a sete chaves
Sete canções
Sete senhas
Não, meu caro, não espere nada de mim
Não me espere
O tempo
Não, meu caro, não poderei servir-te
Ando muito ocupada
Decorando a minha casa
Com minha insignificância
Magna Santos
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Inspirei durante tanto tempo o aroma de um chá quente, feito de sonhos. Um vapor morno, respirado como um incenso e absorvido como um elixir. Uma nuvem branca, preenchida com as partículas revigorantes necessárias para ganhar energia a cada passo de um caminhar inconstante. Um chá encorpado, que dava vontade de olhar para o céu e percorrer o mundo de nuvem em nuvem. Mas hoje a vida entornou-me uma chávena do precioso líquido. No meu interior, um mesmo mantra repete-se agora em forma de interrogação: como poderei acreditar novamente?
Ana
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A dança...
O que nos pode fazer mudar? Uma simples dança… de outros tempos, em que o devolver do toque nos faz bem, nos apresenta ao outro corpo e reconhece um estranho bem-estar. O aperto é como me lembrava, de firmezas e gentileza envergonhada, última defesa para não exagerar.
Eram poucos minutos, mas ondularam em sintonia, o que me faz pensar… na próxima vez…
Miak
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A liberdade é azul
(…) quando uma pessoa permanece traumaticamente ligada a uma relação passada, idealizando-a, elevando-a a um nível que todas as relações futuras nunca atingirão, podemos estar seguros de que essa idealização excessiva serve para ofuscar o fato de haver algo muito errado nessa relação. O único sinal fidedigno de uma relação verdadeiramente satisfatória é, após o falecimento do outro, o sobrevivente estar pronto para encontrar um novo parceiro.
Slavoj Žižek
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Nunca me interessei por homens bonitos. Isso não se deve ao fato de que eu acredite que eles sejam necessariamente vaidosos; tampouco que sejam incapazes, como com freqüência se conclui, de amar profundamente. Não. Sei que a natureza não é pródiga em sua generosidade, e, tendo provido de beleza, certamente não sentirá a necessidade de ser generosa com outras qualidades.
Josephine Hart
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um tempo...
peço ao tempo que me conduza
num tempo que desejo
dentro de mim
do meu ser para mim mesma
de paz e harmonia
de encontro
de conhecimento
de luz.
cecilia vilas boas
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