"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

28.9.16


medo

eu tenho um medo. guardado na gaveta de baixo, bem no fundo, com corrente e cadeado. eu tenho um medo trancado. debaixo das revistas velhas. dos cadernos usados. dos livros já lidos. dos papéis amarrotados. eu tenho um medo escondido. pior que de escuro, lugar alto, homem do saco. um medo segredo. o mesmo, desde pequeno. desde a oração cochichada. da febre sob as cobertas. do sinal da cruz no meio da noite. o mesmo desde sempre. um medo que me persegue. me atormenta. me atrapalha. que aparece no canto do quarto. no abrir dos armários. em vulto pelos corredores. em visão pela casa vazia. miragem pela praia deserta. ruído no meio do silêncio. grito durante a madrugada. eu tenho um medo morto. ressuscitado. um medo tantas vezes enterrado. mas que sempre volta. que cava a terra ao contrário. para acabar comigo e ser mais uma vez trancado. escondido na gaveta de baixo, com corrente e cadeado. um medo que sempre escapa. foge. eu tenho um medo que sempre espera minha chegada, sorrindo. bem no meio da sala. 

  Eduardo Baszczyn
(photo Buster Keaton)

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26.9.16


Monotonia

Começar, recomeçar, interminantemente repetir um monótono romance, o romance da minha vida. Com palavras iguais, inalteráveis, semelhantes, in- sistir sobre o cansaço e a pobreza disto de viver... Andar como os dementes pelos cantos a repisar o que já ninguém quer ouvir. Levar o meu desprecioso tempo à deriva. Queixar-me, castigar e lamentar sem qualquer esperança, por desfastio. Pôr a nu uma miséria comum e conhecida, chã- mente, serenamente, indiferente à beleza dos temas e das conclusões. Monotonamente, monotonamente. Monotonia. Arte, vida... Não serei ainda eu que te erigirei o merecido altar. Que te manejarei hábil e serena. Monotonia! Gume frio, acerado, tenaz, eloquente. Sino de poucos tons, impressionante. Mas se te descobri não te vou renegar. Tu ensinas-me, tu insinuas-me a arte da verdade, a pobreza e a constância. Monotonia, torna-me desinteressada.

  Irene Lisboa
(photo Monica Bellucci)

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23.9.16


Vestida de não

ficas melhor assim vestida de não, ficas mais quieta na minha memória. a solidão é deste modo: a coragem de escrever sozinho o final da nossa história. adiciono pontos finais ao final da nossa história: estás quieta na minha memória, os ges...tos sem cor, um enorme não cerceando a tua boca. estás também nua. aproximo-me de ti com o que de mais humano consigo invocar: ensina-me o final da nossa história! ficas mais quieta vestida de não, completamente nua na minha memória. onde se desenha a tua sombra recolho estes versos: quando traí a nossa história?

  Rui Tinoco
(photo Catherine Deneuve)

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3.9.16


Hoje eu queria te fazer um pedido (posso?). Respira fundo, tenta aliviar a mente das pequenices que tanto te atormentam, relaxa os ombros, te concentra apenas no silêncio que existe em algum lugar aí dentro. 
 
Clarissa Corrêa 
(photo Marie Doro)

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1.9.16


Vai ter uma festa 
que eu vou dançar 
até o sapato pedir pra parar. 

Aí eu paro 
tiro o sapato 
e danço o resto da vida.
 
Ricardo de Carvalho Duarte (Chacal)
(photo Colleen Moore )

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