"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

31.3.14


A Última Fala do Palhaço 

Deixem-me ser eu
um instante, ao menos...!
Ainda vale a pena!
Deixem-me vir à cena
em primeiro lugar,
a rir ou a chorar
(a mesma coisa afinal...)

Deixem-me, antes que morra,
demolir a masmorra
que eu mesmo construí
com lágrimas e sangue
e, embora exangue,
ser só eu, tal e qual!

Saúl Dias

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30.3.14


O varal

Cheguei deixando todo o peso
toda a bagagem de anos
todo o cansaço diluindo-se
esvaziando-se
do meu corpo
tirei os sapatos
que martirizavam meus pés
lavei meu corpo
com sais, sálvia e camomilas
as crostas do tempo
foram se soltando
e eu ficando cada vez mais leve
não haveria mais de voltar
por esse caminho
outros ventos sopravam
recolhi meu corpo
e pendurei delicadamente
no varal para descansar

 Marisete Zanon

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

29.3.14


 
Mais mentiras

Às vezes digo que me vou encontrar com a minha irmã no café - mesmo não tendo qualquer irmã - só porque é uma coisa linda de se dizer. Tenho pensado nisto desde que

li um romance no qual duas irmãs estavam sempre a encontrar-se em cafés. Hoje, por exemplo, caminhei sozinha pelo passeio, com as minhas botas para a chuva, esperando

que alguém me perguntasse para onde me dirigia. Comprei um bloco de notas e uma pilha para o relógio, as montras da loja estavam embaciadas. Chuva em Abril é uma espécie de promessa, e

gratuita. Levei um saco com livros para o café e pedi chá. Gosto de sítios iluminados por lâmpadas. Gosto de sítios onde se pode ouvir as pessoas a falarem de coisas sem importância,

como a diferença entre o azul-celeste e o azul-cerúleo, ou o preço das tulipas. Que está a descer. Reparei em alguém que podia ser minha irmã a entrar, e a sacudir a chuva

dos cabelos. Pensei, mesmo agora as floristas estão a encher as estantes frigoríficas com tulipas, a cinco dólares o molho. Por toda a cidade há irmãs. Qualquer uma delas poderia ser a minha.

  Karin Gottshall

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28.3.14


 O homem que tem muitas respostas
é muitas vezes encontrado
nos teatros da informação
a oferecer, amavelmente,
as suas muito profundas descobertas.

Enquanto que o homem que só tem perguntas,
para se confortar a si mesmo, faz música.

 Mary Oliver

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

27.3.14


Eu tive um cãozinho 
chamado Alegria, 
chorava de noite, 
ladrava de dia.  
  Eu tive um gatinho
 chamado Bonifrate, 
comia salgados 
e bebia chocolate.

  Eu tive um ratinho 
chamado Pimpolho, 
morria por queijo, 
marmelada e piolho.

  Eu tive um passarinho
 chamado Liberdade, 
faz tempo que morreu, 
ainda sinto saudade. 
 
João Manuel Ribeiro 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

26.3.14


Riem-se. Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso. 

  Mia Couto

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25.3.14


Somos as pontas de uma mesma fita
e acordamos atados de manhã num
nó que ainda demora a desfazer. Ao

levantar-me, arrasto-te comigo, mas
no resto da vida é ao contrário - e eu
nem me importo que me leves atrás
se o laço for contigo, e apertado. Mas,

quando calha, é mais comprida a fita; e
eu - inquieta, sem saber onde estás - fico
a contar os metros, aflita, e a magicar em 
franzido se embaraços. Eis se não quando

tu pareces amarrotado de cansaço e nos
meus braços logo te desfias. Vencido
o susto, passa-se a fita a ferro - para
se enredar de novo num nó cego que 
de manhã vai ser um custo desatar.

Maria do Rosário Pedreira 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

24.3.14


Retrato de uma princesa desconhecida 

Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino.

 Sophia de Mello Breyner Andresen

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23.3.14


Dizem que me sinto sozinha. Na verdade acho que as pessoas confundem, uma pessoa sentir-se sozinha é não estar bem consigo, é sentir a falta de alguma coisa que lhe preencha um qualquer vazio que sente. Eu não me sinto sozinha, não sinto a necessidade de algo que não sei o que é, não estou mal estando só comigo. Não. O que eu sinto é a falta de uma pessoa, uma pessoa que sei quem é, que sei que não pertence a um qualquer vazio não identificado. Sinto falta dele. Se me sentisse apenas sozinha já podia ter arranjado companhia, para preencher aquilo a que poderiam chamar de vazio, para fazer uma serie de coisas que faço bem sozinha. Posso jantar sozinha, ver filmes sozinha, ir a festas e afins sozinha, não me faz confusão. Já arranjar uma companhia que é só outra versão mais numerosa da solidão, já faz. O que eu penso é que poderia fazer todas essas coisas e mais, mas muito melhor, com alguém que me faz falta. Aquele alguém, não outro. Aquele cuja companhia traz sempre um sorriso mais rasgado em todos os momentos, um coração mais cheio e a sensação de que não falta nada. Não uma companhia, para em vez de um serem dois, é para ser um par com o meu par. Ou aquele que queria que fosse. É tão diferente, e não percebo como se confundem coisas tão, mas tão, diferentes.

  Eva
(do blog Eva com a maçã)

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

22.3.14


Analfabeto 

Conheço um homem
que lê todas as inscrições em pedras antigas
e que sabe
as gramáticas de todas as línguas, mortas ou vivas,
mas que não consegue ler
os olhos de uma mulher
que ele pensa que ama

 Shadab Vajdi

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21.3.14


Procuro... 

 Nas linhas de vento um sorriso rasgado
 Uma alma branca que dance nas nuvens
 Um olhar inquieto que desvele paixões 
A nudez da sombra que ilumina o mistério 
As palavras dum vento azul sonhado. 

  Cecília Vilas Boas

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20.3.14


Á você 

Quando me ligou não pude atender. Estava no quintal jogando fora um pouco de mim. Se achar, passe ao largo. Não pretendo ser encontrada. Mas se insistir em me descobrir, devolva-me a terra. Quero eu mesma me desfazer. Atinar deve fazer parte de mim. Portanto. Novamente peço. Se passar por mim, não aporte.

Maria Odila

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19.3.14


Arinque 

Carrego no peito um coração-âncora. Que escapa por entre minhas mãos. Afunda nas águas que me cercam. E, no fundo, repousa. Velho e pesado. 

Carrego no peito esse coração-âncora. Que me ata sem amarra. Que me prende – com seu peso de ser – a um lugar onde não sei mais pertencer.

 João Célio Caneschi 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

18.3.14


 Dá-me a tua mão.

Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
- para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.

Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira. 

 José Gomes Ferreira

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17.3.14


Espero-te 
Mas conto apenas até dois 
Receio o depois 
Dizer três 
E não chegares 
Perder-te de vez. 

  José Gabriel Duarte 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

16.3.14


não há uma forma fácil de dizer isto, por isso vou dizê-lo sem rodeios: conheci uma pessoa. foi um acidente, não estava à procura disto. uma autêntica tempestade. ela disse qualquer coisa, eu respondi. depois lembro-me de querer passar o resto da minha vida dentro daquela conversa. talvez ela seja a mulher da minha vida. pelo menos é completamente louca e está sempre a fazer-me rir.(...) essa pessoa és tu.(...) não sei o que nos vai acontecer e não sei por que deves depositar alguma esperança em mim. mas... tu cheiras tão bem, como cheiram as casas, e fazes um café delicioso. isto tem de significar alguma coisa, certo?

  in Californication

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15.3.14


A maior parte do tempo, porém, o que nós partilhávamos era o silêncio. E isso eu aprendi contigo, porque não sabia. Para mim, o silêncio era sinal de distância, de mal-estar, de desentendimento. Ao princípio, quando ficávamos calados muito tempo, eu sentia-me inquieta, desconfortável, e começava a falar só para afastar esse anjo mau que estava a passar entre nós. 

 Um dia tu disseste-me: 

 - Não precisas de falar só porque vamos calados. A coisa mais difícil e mais bonita de partilhar entre duas pessoas é o silêncio. 

  Miguel Sousa Tavares 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

14.3.14


fragmentos de uma canção esquecida
 
os acordes da vida
acordaram-me...
tarde demais!

a orquestra
atrasou o ritmo
sem dó(r)
ré(abriu) a ferida
dentro de mi(m)

sem fá(ces)
sol(ta) meus medos
e lá(nça)-me
no si(nal) fechado

sinfonia partida
na partitura
sem con(c)(s)erto

 ydeo oga

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13.3.14


 comecei dezenas de histórias
e não terminei nenhuma,
não sei para onde vão as minhas personagens
porque começam a falar
e logo se calam.
no papel sucede-me o mesmo que fora dele:
a minha vida é um punhado de começos
suspensos

Miriam Reyes
(trad. Maria Sousa)

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

12.3.14


A quermesse 

Foi numa tarde de quermesse
depois de rezar treis prece
pra que nóis dois se queresse
pra que nóis dois se gostasse
entonce eu disse préla:
Mariazinha, se eu te pedisse um beijo
tu me dasse?
Ela respondeu: Doce!

(adaptação de José de Araújo 
do poema de Olegário Mariano)

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11.3.14


Varal

 depois do amor
 nossas intimidades
 repousam 
silenciosas no varal. 

  ah, se falassem... 

  Ricardo Mainieri 

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

10.3.14


Bordadeira 

Passa horas 
no quarto de costura 
bulindo no cesto letras. 

Em silêncio 
alinhava sílabas 
costura versos 
borda palavras.

Valentina Diadory

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9.3.14


Céu cinzento 

 Hoje meu céu está cinzento 
Haverá um amanhã de cores 
Mas, hoje, eu vivo as cinzas

  Leslie Holanda

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

8.3.14


Banho 

 Não vale a pena lutares contra isso. É assim mesmo, por mais voltas que dês, por mais estratégias que uses, por mais expectativas que alimentes, de nada serve. Não lutes contra a realidade – afinal não é ela que te acompanha fielmente todos os dias, para onde quer que vás? É quase injusto, tentares ludibriá-la, afrontá-la. E não me atires com aquela ideia da fantasia ser essencial, que é preciso colorir o mundo, mundo esse que devia ser feito de paixão, cumplicidade e sonhos. Isso é um disparate! E que confuso, inquieto e perigoso seria esse teu mundo! Vá, acorda lá... já é dia, levanta-te, vai para banheira e lava bem esses restos noturnos de emoção que ainda tens agarrados na pele.

  (cores e outros amores)

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6.3.14


 o dia
vasa em meus olhos
um gosto do passado

vaga trazendo
um cheiro do presente

vala a criar um caminho
que ora vai & volta

vara açoitando
o futuro que rente 
a porta fechada
entra pela janela
com a notícia do desamor.

 Airton Souza 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

Foi-se a melhor parte da minha vida e aqui estou só no mundo. Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela, ouvi-la, mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada. Aqui fico, por ora na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Não gastarei muito tempo em recordá-la. Irei vê-la, ela me esperará.

  Machado de Assis

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5.3.14


corpo que jaz 

há dias me sinto assim
angústias dentro de mim
indagações sem respostas
perguntas vãs e suspensas
e eu, equilíbrio frágil
acrobata delirante
na corda bamba 

Ianê Mello

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4.3.14


 O dia passa, estou sem ânimo nenhum, 
Nem mesmo para pentear meus cabelos. 
Suas coisas estão aqui, 
Ele se foi, o mundo morreu. 
Se tento falar, desabo em choro. 
Dizem que é primavera em Shuangxi. 
Ir lá é meu desejo, 
Mas tenho medo de que o pequeno barco, 
Não suporte o peso da minha dor. 

Li Qingzhao
(trad. Sérgio Capparelli e Wu Di) 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

3.3.14


eu durmo comigo 

 eu durmo comigo/ deitada de bruços eu durmo comigo/ virada pra direita eu durmo comigo/ eu durmo comigo abraçada comigo/ não há noite tão longa em que não durma comigo/ como um trovador agarrado ao alaúde eu durmo comigo/ eu durmo comigo debaixo da noite estrelada/ eu durmo comigo enquanto os outros fazem aniversário/ eu durmo comigo às vezes de óculos/ e mesmo no escuro sei que estou dormindo comigo/ e quem quiser dormir comigo vai ter que dormir ao lado.

  Angélica Freitas 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

2.3.14


Duas faces 

Sou o espanto
sou a dor
sou o desencanto. 

No entanto,
sou amena
tão serena
sou amor, só amor.

 Odaísa Taborda do Nascimento Narcizo

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

1.3.14


Ninguém quer fazer 60 anos. Dá uma sensação de que "ainda tenho tanta coisa a fazer"... Estou feliz.. não estou triste... Na verdade, estou perplexa. Passou tão rápido... Não me sinto com 60 anos. Ainda tenho muito que aprender... ainda tenho muito o que viver, apesar de ter mais passado que futuro. Vou vivendo, um dia de cada vez, na minha nova condição de mulher muito sex...agenária!

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨