Ela
Ela passava -cerimoniosamente- as páginas de um jornal
-um jornal em espanhol, comprado em Victoria Station.
Ele olhava pela janela para os últimos bairros,
a cidade apagando-se por detrás, a precária luz de outono.
Ela lia -minuciosamente- as páginas de necrologia,
ele olhava agora o campo: cavalos e ovelhas,
o vento nos ramos, paisagens de Constable.
Ela comentava histórias de imprensa, os casos do dia,
ele recordava uma criança atónita, em silêncio,
-havia séculos-numa casa de Eaton Square.
Noutro tempo, com outra mulher,
a passagem do Tamisa na margem cinzenta.
Passavam as páginas do jornal
e passavam corpos e camas,
uma mulher despida que se ria
com hálito de vodka e tabaco.
O comboio chegava ao seu destino e ela acabou a leitura.
Debaixo do assento daquele comboio
-entre Londres e Dover- ficaram abandonados
um amarrotado jornal em desordem
e cinquenta anos da vida de um homem.
Juan Luís Panero
(trad. de Joaquim Manuel Magalhães)
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"Há demonstrações de carinho que nos imensam!"
Manoel de Barros
Demonstre seu carinho...