Primeira Hora
O ano desfolhou-se, dia a dia,
como uma flor cortada, um girassol,
e dia a dia a sua voz calou-se
como velha cansada melodia
de velho rouxinol.
Ontem, à meia-noite, a minha rua
abriu de par em par as portas, as janelas,
e deitou fora o lixo, as coisas velhas:
cacos, farrapos, latas e panelas.
Era a Primeira Hora
do ano que chegava.
-- E eu?-- pensei -- que posso deitar fora?
Que poderemos todos deitar fora?
Ai, Senhor, tanta coisa!
Nem cacos, nem farrapos,
nem latas velhas nem trapos
mas tanta dor,
Senhor,
mal empregada!
Tantos gestos errados,
as pequenas traições,
os pequenos pecados.
As calúnias subtis,
as flores venenosas
da alma envenenada,
e a cicatriz
da culpa inconfessada,
e as palavras que ferem como gumes
de afiadas adagas.
Ressentimentos, azedumes
que Te fazem sangrar as Cinco Chagas.
As larvas dos ciúmes
e as cobras rastejantes
dos pensamentos impuros.
Egoísmos sem fim
e os altos muros
das torres de marfim.
Descrença,
indiferença,
despeitos recalcados,
amassados com ódio, com rancor,
e o amargo sabor
da solidão.
Ah, Senhor, nesta hora de perdão,
nesta Primeira Hora,
quantas coisas podemos deitar fora!
Fernanda de Castro
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O ano desfolhou-se, dia a dia,
como uma flor cortada, um girassol,
e dia a dia a sua voz calou-se
como velha cansada melodia
de velho rouxinol.
Ontem, à meia-noite, a minha rua
abriu de par em par as portas, as janelas,
e deitou fora o lixo, as coisas velhas:
cacos, farrapos, latas e panelas.
Era a Primeira Hora
do ano que chegava.
-- E eu?-- pensei -- que posso deitar fora?
Que poderemos todos deitar fora?
Ai, Senhor, tanta coisa!
Nem cacos, nem farrapos,
nem latas velhas nem trapos
mas tanta dor,
Senhor,
mal empregada!
Tantos gestos errados,
as pequenas traições,
os pequenos pecados.
As calúnias subtis,
as flores venenosas
da alma envenenada,
e a cicatriz
da culpa inconfessada,
e as palavras que ferem como gumes
de afiadas adagas.
Ressentimentos, azedumes
que Te fazem sangrar as Cinco Chagas.
As larvas dos ciúmes
e as cobras rastejantes
dos pensamentos impuros.
Egoísmos sem fim
e os altos muros
das torres de marfim.
Descrença,
indiferença,
despeitos recalcados,
amassados com ódio, com rancor,
e o amargo sabor
da solidão.
Ah, Senhor, nesta hora de perdão,
nesta Primeira Hora,
quantas coisas podemos deitar fora!
Fernanda de Castro
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Si pudíesemos despojarnos de tantos malos sabores , de tantas lágrimas por tratos injustos, de malas vibraciones, de absurdos enfados, de celos , de rabias, de temores, de egoismos, de tanto por olvidar.
ResponderExcluirHermoso poema, muy bello.
Helena
ResponderExcluirEntrar em seu blog é passear pela poesia, não dá vontade daqui sair. Obrigada pela visita.
Feliz 2010.
Graciela
muy cierto, cuánto desperdicios a veces le hacemos a la vida, a vivir.
ResponderExcluirbesos