"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

28.11.15


Cálice

O meu corpo
como se fosse o cálice
o meu sangue como se fosse o vinho
estas as palavras da vida eterna
até que dure
o sopro que as insufla
do pó em que se desfazem
esse pó que enegrece o cálice
o cálice donde escorre o vinho.

Ana Paula Inácio
(photo Marilyn Monroe) 

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25.11.15


Então para os outros sou aquele estranho que surpreendi no espelho: sou ele e não eu, tal como me conheço! Sou aquele estranho que, à primeira vista, não reconheci. Aquele estranho que não posso ver viver a não ser assim, num instante inesperado. Um estranho que só os outros podem ver e conhecer. 

  Luigi Pirandello
(photo Tyrone Power)

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21.11.15


Bilhete 

Fui-me embora, não esperes por mim.
Se alguém der pela falta, diz apenas
que estou bem, continuo a fazer o mesmo
de sempre, trabalho, casa, trabalho, casa.
 
Só não mintas às filhas, diz-lhes que fui
procurar na distância outra forma de solidão,
talvez convencido de que longe de tudo
poderei vir a sentir falta do que já tenho.

 Henrique Manuel Bento Fialho
(photo Montgomery Clift)

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18.11.15


 Ao lado da janela,
desconhecida dormes.
Com o sono
- ponte de vidro -
E o teu pé nu.
E o ar que te respira
deixa de esperar
o azul da luz do dia. 

 João Camilo
(photo Elizabeth Taylor)

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16.11.15


Sala provisória 

Nunca se sabe
quando estamos num lugar
pela última vez. Numa casa
que vai ser demolida, numa sala
provisória que vai encerrar, num velho
café que mudará de ramo, como
página virada jamais reaberta, como 
canção demasiado gasta, como
abraço tornado irrepetível, numa
porta a que não voltaremos.

Inês Lourenço 
(photo Katharine Hepburn)

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7.11.15


Sofro de não te Ver

Sofro 
de não te ver, 
de perder 
os teus gestos 
leves, lestos, 
a tua fala 
que o sorriso embala, 
a tua alma 
límpida, tão calma... 

Sofro 
de te perder, 
durante dias que parecem meses, 
durante meses que parecem anos... 

Quem vem regar o meu jardim de enganos, 
tratar das árvores de tenrinhos ramos? 

 Saúl Dias
(photo Hedy Lamarr)

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6.11.15


Tudo o que perdi

Perdi uma noite de amor em Casablanca,
um reinado perdi, tal como o limbo,
a aposta de viver de coração aberto,
perdi a noite, um autocarro, perdi a vida
como se perde a bolsa num assalto.
Perdi o gosto da ferrugem e da luz,
perdi uma estocada na praia. 
Perdi uma guerra
e a alma, um número de telemóvel
e a fé nas coisas que me importam.
Perdi os olhos, a juventude perdi
num sonho mau.
Tudo perdi. Quanto ganhei.

Violeta C. Rangel
(photo Georgia O'Keeffe)

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3.11.15


O Aprendiz 

 Sou pobre realmente. 
Tenho apenas algumas folhas de papel na alma 
E uma vontade - digamos, mansa - 
De hipnotizar borboletas. 
Que coisa sei da vida? 
Pouca coisa sei da vida. 
O bastante para não correr. 

  Affonso Manta 
(photo Harold LLoyd)

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2.11.15


Os Mortos 

Amo os meus mortos
Quase tanto como os vivos.
Os primeiros dão-me paz
Os segundos, vigor e alento.
No Natal estou com todos.
Por uns rezo, 
Aos outros, alimento.
A vida faz-se com ambos, 
Até que a morte nos leve 
E nos junte aos que já foram.
Para com eles cuidar 
Da vida dos que aqui ficam,
A lembrar os que partiram!

Helena Sacadura Cabral 
(photo Alice Joyce)

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