"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

31.1.15


Ela não sorriu. E ele descobriu que a amava. 
No sorriso dela estavam todos os motivos 
para ele próprio sorrir. Simples assim. 

  Paulo Ras
(foto Gregory Peck & Ava Gardner)

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30.1.15


– Aonde você vai?
 – Para minha casa. 
Tenho montes de coisas a fazer e tal.
 – Como o quê? 
– Ficar longe de você é minha tarefa mais imediata.
 – Deixa de ser infantil!
 – Ok. Te ligo quando eu amadurecer. 

  Gabito Nunes 
(foto Veronica Lake)

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29.1.15


Oração aos vivos para que sejam perdoados por estarem vivos 

Eu suplico-vos
fazei qualquer coisa
aprendei um passo
uma dança
alguma coisa que vos justifique
que vos dê o direito
de vestir a vossa pele o vosso pêlo
aprendei a andar e a rir
porque será completamente estúpido
no fim
que tantos tenham sido mortos
e que vós viveis
sem nada fazer da vossa vida.

 Charlotte Delbo
(trad. Luís Filipe Parrado)
 (foto Rita Hayworth)

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28.1.15


Para dançar um tango 

 Um tango dança-se com faca 
no olhar 
e sapatos a acolchoar o silêncio
 Um tango estilhaça
 tudo o que está perto 
o ar onde o corpo se contorce 
onde as mãos afogam
 mãos ou na cintura 
navegam como se fosse 
um rio de prata. 

  João Tomaz Parreira
(foto Fred Astaire & Chyd Charisse)

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27.1.15


Da infância

Eu me lembro de ter plantado um pé de orégano na minha horta/Eu me lembro de procurar tatu-bolinha no canteiro/Eu me lembro do pintinho que morreu de tão agasalhado no cobertor/Eu me lembro de jogar dentes de leite em cima do telhado/Eu me lembro de ter chorado quando inadvertidamente engoli a hóstia/ Eu me lembro do piso encerado com cheiro de flor de laranjeira/Eu me lembro de colecionar vagalumes na garrafa/Eu me lembro das bolinhas de gude dos moleques da minha rua/Eu me lembro da história do meu avô que começava com ‘’era uma vez uma árvore frondosa’’/Eu me lembro que nunca vim a saber o fim da história, porque adormecia no seu colo/Eu me lembro de ter sido atropelada por um carrinho de rolimã/Eu me lembro de pular amarelinha calçando conga vermelhinho/Eu me lembro do uniforme de escoteira, sempre alerta/Eu me lembro de ter visto por trás da porta que o papai Noel era o meu pai/Eu me lembro que espinafre causava náuseas/Eu me lembro da jaboticaba no ultimo galho do pé/Eu me lembro da indicação médica de tomar sorvete depois da operação de garganta/ Eu me lembro que existiam ciganos em profusão, e tínhamos medo/Eu me lembro de jogar queimada na rua, com bola de meias usadas, dos pais da gente/Eu me lembro das matinês de carnaval, das fantasias de melindrosa, e dos olhos atentos maternos/Eu me lembro de ter sido criança... 

  Geórgia de Albuquerque e Alcântara
(foto Shirley Temple & Baby LeRoy)

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26.1.15


 
Todas as manhãs, entre o enfiar
do sapato esquerdo e do sapato direito
ela vê a vida desfilar-lhe diante dos olhos.

Por vezes só a custo
consegue calçar o sapato direito.

  Judith Herzberg 
(trad. Ana Maria Carvalho)
 (Audrey Hepburn in Roman Holiday)

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25.1.15


Máscaras

É por trás de máscaras
Que escondo meus alumbramentos;
É por trás da alegria
Que escondo meus desalentos; 
É por trás da tristeza
Que escondo meus arrebatamentos;
É por trás dos sonhos
Que escondo minhas máscaras.

Só não consigo mesmo
É esconder de mim 
E de minhas máscaras,
Os meus olhos.

Pelo efêmero brilho deles
Minha alma escapa de meu corpo
E vai a cata de outras fantasias.

Das máscaras cuido eu,
Mas quem cuidará
De minha alma?

Sempre há para elas, almas,
Um perigoso jogo de fantasias,
Um perigoso baile de máscaras.

 Oswaldo Antônio Begiato
(foto Brigitte Bardot)

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24.1.15


Ressurgência 

cansei de sentimentos velhos 
cansei dos meus discos arranhados 
não quero mais escutar blues 
vou trocar a lingerie red
arquivar poemas angustiados
vou colocar água na vodca
e te beber light
não creio mais na ressurreição da carne

 Beth Ameida
(foto Donna Reed)

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22.1.15


São muitos os dias em que os meus bolsos estão vazios. 
Nestes dias, não há peça de vestuário que me abrigue da nudez. 

  Nelson d'Aires
(foto Brigitte Bardot)

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21.1.15


Last blues, to be read someday

Foi só um flirt
e sabias, claro –
alguém foi ferido
há muito tempo.

Mas nada mudou
o tempo passou –
um dia chegaste
um dia morrerás.

Alguém morreu
há muito tempo –
alguém que queria
mas não sabia.

Cesare Pavesi 
 (foto Gloria Grahame)

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20.1.15


Sensualidade  

 Ser sensual é se mostrar bem devagar 
 de dentro para fora, 
 o corpo será um mero detalhe. 

  Gemária Sampaio
(foto Sophia Loren) 

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19.1.15


De Ler e Andar 

Há dias em que há
mais sentido nas ruas
do que nos livros.
Nesses dias se deve
de casa sair
e, dentro de si,
caminhar à escuta
da vida.
Há dias,
porém, em que mais
sentido há nos livros.
É preciso então
trancar-se em leituras
e, numa entrega de sonho
misturar-se ao mundo.

Alcides Buss
(foto Marilyn Monroe)

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18.1.15


Minudências 

Ser feliz
é ter o coração livre
e a consciência tranquila;
é receber a brisa
e falar de legria!
É vestir
o agasalho da saúde
a camisa do sonho
e os sapatos do amor!
É cantarolar no silêncio
brindar a paz
e então
sair de si
estender seu coração
e dizer:
estou pronto
o sofrimento é canto!

 Luiz José Maia
(foto Anita Ekberg)

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15.1.15


Olhava-me nos olhos, com aquela maneira que ela tinha de olhar e levava a pensar se na verdade ela via alguma coisa com os seus próprios olhos. Olhos capazes de olhar e tornar a olhar, mesmo depois de quantos outros olhos no mundo terem deixado de olhar. Olhava como se nada houvesse na Terra que ela não fosse capaz de olhar assim, quando a verdade é que tinha medo de tantas coisas.

  Ernest Hemingway
(foto Bette Davis)

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14.1.15


Tratam-me como se fosse uma daquelas bonecas baratas, que se recebem de duas em duas semanas quando a nossa tia favorita nos vem visitar. Aquelas em que pegamos, achamos graça e brincamos com elas, até nos fartarmos e querermos outra. Aquelas que, depois de perderem a graça, não passam de mais uma na nossa enorme colecção de figuras imóveis. Não percebem o sofrimento dos que são condenados a ser bonecas sem o quererem. Porque mesmo eu, boneca que sou agora, tenho sentimentos [ou pelo menos o que resta deles] 

 E bonecas também choram, nem que sejam lágrimas de plástico... 

  Inês
(foto Alice White)

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13.1.15


Nuvens 

 Encantei-me com as nuvens, como se fossem calmas
locuções de um pensamento aberto. No vazio de tudo 
eram frontes do universo deslumbrantes.
Em silêncio via-as deslizar num gozo obscuro
e luminoso, tão suave na visão que se dilata.

Que clamor, que clamores mas em silêncio
na brancura unânime! Um sopro do desejo
que repousa no seio do movimento, que modela
as formas amorosas, os cavalos, os barcos
com as cabeças e as proas na luz que é toda sonho.

Unificado olho as nuvens no seu suave dinamismo.
Sou mais que um corpo, sou um corpo que se eleva
ao espaço inteiro, à luz ilimitada.
No gozo de ver num sono transparente
navego em centro aberto, o olhar e o sonho.

  António Ramos Rosa
(foto Vivien Light)

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11.1.15


Felinus

A Maria Tobias era preta 
e branca. Na parte branca era 
Tobias e era Maria na preta. Morou 
connosco cinco anos. No sexto, numa 
quinta-feira santa pôs-se a dormir 
depois de um longo jejum. Ficaram-nos 
nas mãos festas desabitadas e os poucos 
haveres: uma malga, uma manta, um bebedouro, 
que não logramos enviar 
para a nova morada.

  Inês Lourenço
(foto Kim Novak)

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10.1.15


Promessa

Pois eu digo que vou arregaçar esses punhos de linho bordado e procurar cada uma das pérolas desse meu colar desfeito. Antes que o seu brilho volte a ser mero carbonato de cálcio com areia, no meio dos escombros. 

  Bruna Pereira
(foto Muriel Finley)

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6.1.15


Tormentas de Um Passado que É (ra)

Necessito novas meias, novos livros, velhos sambas, novos goles, novos cheiros, velhos abraços, novos beijos, novos choros, velhos risos, novas camas, velhos amores, velhos vinhos, novos acasos, novas paixões, novos corpos, velhos corações, novos arranhões, velhas declarações...  Novos motivos para ressuscitar minha vida e ter alguma graça. Necessito você. 

  Marcos Ubaldino
(foto Carol Lynley)

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1.1.15


O de número 2015...

E a menina estava indócil 
subia e descia no banquinho 
para olhar pela janela 
Quando chegaria o ano novo? 
O que ele traria pra ela? 
Quem era ele? 
E nada... 
E nada... 
Todos os dias eram uma eternidade 
Brincava, cantava e olhava para fora 
Até que em uma noite 
um pouquinho antes de adormecer 
ela espiou pela frestinha da janela
 já meio desacreditada de tudo
 e viu um cortejo 
de Anjos de asas de todos os tamanhos 
descendo dos céus 
e cada um carregava no coração 
um Anjinho bem pequenino 
que começou a ser entregue
 a cada pessoa que por eles cruzavam
 Ela ficou encantada com o que viu 
e mais ainda ao escutar 
a música que chegava do Alto 
onde uma harpa suave era dedilhada
 pelo Anjo-mor, que sentado 
em cima de maior e mais linda 
nuvem branca 
que ela jamais tinha visto 
abria-lhe um sorriso que 
carregava todo o amor do mundo! 
Na mesma hora um Anjo 
aproximou-se dela 
e lhe entregou seu Anjinho pequeno
 dizendo: este é o teu Ano Novo! 
O Anjinho de número 2015
 que te entrego para tomares conta 
cuida dele com todo carinho 
que puderes, pois ele saberá 
retribuir-te regiamente 
Multiplica todo o amor 
Que ganharás dele, 
Pois quanto mais repartires 
mais receberás de volta 
Pega ele pela mão 
bem firme e não solta
 que nunca errarás o caminho! 
Vai, agora segue com ele...

  Wania Victoria 
(foto Shirley Temple)

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