"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"
Escuto a vida. É inevitável a solidão. Vou caminhando a senti-la, a querer sentir-me nessa solidão; é essa, agora, a minha viagem - saber estar só, repousar, nessa planura longa, silenciosa e branca.
Maria João Saraiva
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Por favor,
respeita o meu silêncio.
O silêncio é a minha melhor arma.
Escutaste as minhas palavras
quando fiquei silencioso?
Sentiste a beleza do que disse
quando não disse nada?
Nizar Qabanni
(trad. Jorge de Souza Braga)
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pequeno poema dos dons
aos que não conseguem
meditar:
as saudades e os jasmins
aos que não conseguem
imantar:
os silêncios e os gerânios
aos que não conseguem
flertar:
os mistérios e as violetas
aos que não conseguem
perseverar:
as palavras e as angélicas
aos que não conseguem
acorrentar:
o infinito e as orquídeas
Assis Freitas
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Procura-se
Artesão da pele
que mergulhe o meu corpo no mar
borde com conchas meu dorso
pincele de areia os meus cabelos
sopre a poesia e me dê vida
Flor de Sal
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Eu vou espantar os automóveis da minha janela
e vou instalar uma tomada direto no Sol.
Vou ligar as torneiras no bojo das nuvens,
vou me carregar de arrepios
e ligar o botão da árvore fazedora de sombra.
Vou construir paredes de vento,
cortinas de cachoeiras,
e cobrir tudo com um telhado de estrelas azuis,
e depois, eu vou reger uma grande orquestra
de passarinhos
e dar corda nos beija-flores,
para que eles me despertem quando tudo estiver
terminado.
Hélio Ribeiro
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um colar de lembranças para contar
guardava no compartimento esquerdo
uma mala com histórias, lembranças, sorrisos, olhares.
era com ela que fazia uma espécie de pescaria do tempo: cada vez que lançava o anzol recuperava uma nova pérola.
renata carneiro
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Chá para as borboletas
Janela - espelho meu.
Fragrância de almíscar selvagem
me violenta.
Menino com aura violeta.
Jovem com juba desgrenhada.
Velocidade lenta.
Garganta do poço este túnel
cinza, onde trafego dias.
Penso na infância, sombra
dos eucaliptos, recanto secreto
onde eu servia chá às borboletas.
Bárbara Lia
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quando a casa se cala
de repente aprendo a ter medo
e fui eu que pedi este silêncio
ainda tenho o sabor a quente das palavras
abro e fecho armários e gavetas
queria um lugar fechado para guardar memórias
depois
fico ali sentada à espera que algo aconteça
maria sousa
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Bolinhos de manteiga de amendoim
Se tivessem se conhecido no passado, se tivessem sido adultos na década de 40, talvez pudessem ter sido uma família como as das ilustrações de Norman Rockwell. Haveria um pequeno cão preto, um filho mais velho, uma filha do meio e um bebé bochechudo sentado nos joelhos do avô. Festejariam o aniversário do filho, a avó trazia para a mesa uma tarte de morango, o cão corria excitadamente ao encontro dela, seriam todos rechonchudos e corados. Uma toalha de mesa branca a roçar o chão, um presente por abrir, uma terrina de legumes sobre a mesa. Bolinhos de manteiga de amendoim.
Ann Beattie
(trad. Maria Sousa)
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Chamada geral
avisam-se todas as polícias
fugiu um homem
atenção
supõe-se que é perigoso
sinais particulares:
baixa-se com frequência
para fazer festas a um gato
apanha folhas caídas
antes que o varredor as leve
gosta de tremoços
uma informação
da máxima importância
relatórios afirmam
que frequentemente
sorri com extrema virulência
todo cuidado é pouco
Mário Henrique Leiria
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