"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

31.5.14


Podia ter apenas uma canção. Uma que soubesse. Cantar. Podia ter apenas uma vida. Uma que soubesse. Contar. Podia ter apenas um amor. Um que soubesse. Amar. Podia ter apenas um nome. Com que me pudessem. Chamar. Podia ter apenas um desejo. Um que me fizesse. Correr. Podia ser apenas. Eu. Dentro de mim.

Elisa

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30.5.14


Coração sem lembranças

Coração vazio de amor, frio 
 de lembranças, chora sua dor! 
 Não houve chance de sonhar. 
 Coração marcado, frio, não houve 
alguém que o lesse, cofre trancado, 
chave perdida, parte sem ter sentido 
a calma de um afeto verdadeiro, delírios 
de um amor, seu olhos molhados dormem 
sem sonho nem recordação, de vida a dois! 

  Marta Peres 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

29.5.14


Fecho porta pra não escutar briga. E, também pra briga não escutar minha canção, que faço distraindo a vida. Vou traindo minha sina. Distraindo decisão. Falo coisas que as vezes não faço. Sou boneca, sou palhaço, ponto de interrogação!... 

  O Teatro Mágico

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28.5.14


Casulo

Dentro de mim 
Teço fios diversos 
Busco os versos 
Encontro as sedas 
Liberto as asas... 
Sou e nasço... 
Poesia!!! 

  Ydeo Oga

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27.5.14


Salmo

Senhor,
dai-me a misericórdia da fé.
Enchei-me meus pulmões de esperança
para que eu respire sem medo de dor.
Ensina-me a paciência e a mansuetude
para que eu não me envergonhe
das horas de cólera.
Senhor,
dai-me a robustez de membros
para que eu não tema as quedas
nem me mutile pelos caminhos.
Guia-me
para que eu não me perca
nos labirintos de mim. 
 
Miriam Portela

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26.5.14


Esboço

Às vezes,
 me sinto
 o esboço
 de uma história
 que começa
a ser escrita.

Adélia Maria Woellner

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25.5.14


Tecelã

Costurei palavras,
retalhos colhidos
no baú dos devaneios.

Fiz, do manto-poema,
agasalho das esperanças.

Adélia Maria Woellner

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24.5.14


hoje eu não quero voar como um pássaro, ter que suportar o peso do corpo, não, quero ser borboleta, apenas bater as pétalas, mesmo que o voo não atinja as alturas. hoje eu quero abanar as flores, como um leque. 

  Líria Porto

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23.5.14


Nem bem-te-vi
 logo te amei 
sabiá que era pra sempre 
enquanto pra sempre durasse 

 colibri você de beijos 
te beija-flor dias inteiros 
e anum teto de estrelas 
outros segredos 

 No final dos tempos
 quando as eras trocam suas vestes 
condor me despedi 
pedi pardal por todos os erros 
e migrei do meu inverno 

 e, quem sabiá 
bons tempos gaivotam. 

  Ariane

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22.5.14


Coloquei minhas asas de molho...

Minhas asas?... coloquei-as um pouco de molho,
e se não estou voando é por que hoje corro.
Minhas pernas estão fortes,
aproveito essa força para fazer o sangue pulsar em todo meu corpo.

A paisagem que vejo em terra não é menos bela que a que vejo sobre as nuvens
apenas diferente
como está diferente meu olhar
como está diferente meu horizonte
como é diferente cada um de meus belos dias
não estou sentindo o ar gelado das nuvens rasgando minhas narinas
mas sinto a maciez da grama estalando entre meus dedos

... vez por outra tiro minhas asas de molho e dou umas voltinhas,
só pra não perder o costume...

 Ariane

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21.5.14


Exílio 

Minh’alma
tem o estranho hábito
de exilar-se
do meu corpo
quando sente nostalgia.
E voa
em danças estonteantes
e foge rápido
e fica distante.
E a descubro,
muitas vezes,
espreitando
debruçada
no contorno da colina
da minha juventude,
enternecida
e saudosa
do nunca mais. 

Maria Alice Estrella

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20.5.14


pontaria

nunca conheceu o paraíso. equilibrada sobre o pé direito, mais uma vez, a menina desistiu da brincadeira. a maldita pedra nunca caía no céu desenhado com giz, no final da amarelinha. 

  eduardo baszczyn

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19.5.14


ainda tenho

...
ainda tenho os pés fincados no outono
sinto um fastio de sol
o verão se fecha
e as águas estão chegando
mas a embriaguez de uma quase primavera que se foi 
não me deixou florir

ah! esse verde de mim está virando musgo.

wanda monteiro

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18.5.14


O ausente 

Alguém se atrasou a voltar para casa.
A lâmpada deixada acesa na janela
Arde enquanto o dia irrompe,
e vai arder durante meses.

À noite, a nossa pequena rua é escura.
As gaiolas cedo são cobertas.
Os peixes mal se mexem em seus jarros.
Mesmo as luzes da varanda são desligadas

Deixando apenas aquela janela acesa
Para as mariposas prestarem homenagem
Até que o tempo fique frio
E os telhados, brancos de neve.

Charles Simic
(trad. João Luís Barreto Guimarães)

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

17.5.14


Encontro

Ele não apareceu.
Talvez tenha adoecido ou ficado debaixo de
um eléctrico. Talvez outra pessoa se pusesse na conversa com ele.
Talvez se tenha esquecido do relógio,
ou o relógio se tenha esquecido de lhe dar o tempo certo.
Talvez o carro não pegasse,
ou tenha ficado avariado a meio do caminho.
Talvez alguém lhe telefonasse quando ia a sair de casa,
dizendo-lhe que tinha de ir a um funeral
ou que a mãe dele tinha morrido.
Talvez tenha encontrado um antigo conhecido.
Talvez tenha tido uma discussão no emprego,
tenha sido despedido e esteja a esconder
a cabeça debaixo de uma almofada.
Talvez a ponte estivesse fechada e
a seguinte também.
Talvez o semáforo permanecesse vermelho.
Talvez o multibanco tenha engolido o cartão
ou a meio do caminho tenha reparado que se esquecera
do porta-moedas.
Talvez tenha perdido os óculos,
não conseguisse deixar de ler,
houvesse um programa que ele queria acabar de ver,
não conseguisse dar a volta à fechadura da porta,
não encontrasse as chaves em sítio nenhum e
o cão dele de repente começasse a vomitar.
Talvez não houvesse um telefone por perto,
não encontrasse o restaurante
ou esteja à espera noutro sítio, por engano.
Talvez – a última possibilidade,
incompreensível e inesperada –
ele tenha deixado de me amar.

Hagar Peeters 
(trad. Maria Leonor Raven-Gomes)

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

16.5.14


Paz armada

O velho canhão
no musgoso forte
olha o céu
com o seu olho silencioso,
e um pássaro fez
o seu primeiro ninho
e elegeu para ele
o largo tubo.

 Jón úr Vör
(trad. Amadeu Baptista)

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

15.5.14


Tô com aquela imensa vontade de tomar um banho de felicidade, vestir a roupa do desapego, perfumar com bom humor, me maquiar com sonhos, para ir na festa da vida, tomar uma boa dose de amnésia e dançar com o amor próprio. 

  Thiara Macedo

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14.5.14


Se...

Se eu tivesse um carro
havia de conhecer
toda a terra.

Se eu tivesse um barco
havia de conhecer
todo o mar.

Se eu tivesse um avião
havia de conhecer
todo o céu.

Tens duas pernas
e ainda não conheces
a gente da tua rua.

Luísa Dacosta

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13.5.14


Reticências... 

 Adoro reticências… Aqueles três pontos intermitentes que insistem em dizer que nada está fechado, que nada acabou, que algo está por vir! A vida se faz assim! Nada pronto, nada definido. Tudo sempre em construção. Tudo ainda por se dizer… Nascendo… Brotando… Sublimando… Vivo assim… Numa eterna reticência… Para que colocar ponto final? O que seria de nós sem a expectativa de continuação? 

  Nilson Furtado

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12.5.14


Azul 

Estranho como os dias estão se tornando azuis.

Procuro pelo cheiro de chuva na brisa que passa e morro de rir deste meu coração viciado, procurando por nuvens escuras na leve claridade de que é tecida a minha alma.

Nada na vida mudou. A realidade é impiedosamente a mesma, mas a música que me corre nas veias cria irrealidades que me sustentam. Vivo diariamente em muitos países, em planetas diversos, experimento amores distantes e impossíveis. Vivencio a mim em todos os tons e nuances. Tudo o que era em meu redor ainda é. Tudo o que eu sou em mim, retornou. Mas o que vejo agora está em meu olhar. O que sinto é meu. O que temo, o que sonho, o que amo. Nada mais de mim, em ombros alheios

Ainda passam por aqui as tristezas, as dores, a escuridão de sempre. Passam e se vão. 

Enquanto os dias vão se tornando estranhamente azuis.

 Claudia Regina Barros

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11.5.14


Um minuto 

- Alô, Mãe?
- Oi, Lia. Como você tá, minha filha?
- Tô indo.
- Indo? Indo pro trabalho?
- Não, Mãe. Não tô. Na verdade... ah, vou contar logo antes que a coragem evapore. Eu pedi demissão. Pedi, pedi mesmo. E antes mandei aquela Lúcia, do meu departamento, mandei ela tomar lá onde é mão única. Mentira. Eu sei Mãe, eu sei que você disse pra eu ter paciência. Juro que tentei. Até tomei uns remédios tarja preta pra conseguir dormir, me acalmar, mas não funcionou. Aí Mãe, ai, me desculpa, mas eu fumei maconha mesmo. Mas eu não comprei não. Plantei, viu? Mais ecológico, menos arriscado. O Arnaldo, sabe? O namorado que você adorava tanto, ele meio que tinha uns contatos, que tinham uma estufa e, ah, deixa pra lá. Eu terminei com ele mesmo. Quer dizer, ele me pegou com o Júlio, pronto falei, Mãe. Pegou a gente lá, fazendo um movimento. O pior é que minha menstruação não veio. Enfim, Mãe, é isso aí. Não sou virgem, não sou santa, posso estar grávida do Arnaldo, ou do Júlio, gosto de maconha e tô desempregada.
- Alô? Alô?
- Mãe?
- Oi, Lia. A ligação sumiu. Você disse alguma coisa?
- ... disse que tá tudo ótimo e que fim de semana que vem vou visitar você, tá?
- Ótimo. Traz o Arnaldo, viu? Um beijo. Juízo.

 Elisa Quadros e Valeria Semeraro

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10.5.14


Solidão 

Se me afasto dois dias 
os pombos que bicam 
na minha sacada 
começam a se agitar 
seguindo as instruções corporativas.
Ao meu regresso a ordem se refaz 
com suplemento de migalhas
e para desapontamento do melro que faz a naveta 
entre o respeitado vizinho de frente e eu. 
A tão pouco se reduziu minha família.
E há quem tenha uma ou duas, 
que esbanjamento meu Deus!

 Eugenio Montale
(trad. Geraldo Holanda Cavalcanti) 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

9.5.14


 Em cada cem pessoas:
sabendo de tudo mais do que os outros:
- cinquenta e duas,

inseguras de cada passo:
- quase todas as outras,

prontas a ajudar
desde que isso não lhes tome muito tempo:
- quarenta e nove, o que já não é mau,

sempre boas porque incapazes de ser de outro modo:
- quatro; enfim, talvez cinco,

prontas a admirar sem inveja:
- dezoito,

induzidas em erro
por uma juventude afinal tão efémera:
- mais ou menos sessenta,

com quem não se brinca:
- quarenta e quatro,

vivendo sempre angustiadas
em relação a alguém ou a qualquer coisa
- setenta e sete,

dotadas para serem felizes:
- no máximo vinte e tal,

inofensivas quando sozinhas
mas selvagens quando em multidão:
- isso, o melhor é não tentar saber nem mesmo aproximadamente,

prudentes depois do mal estar feito:
- não mais do que antes,

não pedindo nada da vida excepto coisas:
- trinta, mas preferia estar enganada,

encurvadas, sofridas,
sem uma lanterna que lhes ilumine as trevas
- mais tarde ou mais cedo, oitenta e três,

justas
- pelo menos trinta e cinco, o que já não é nada mau,

mas se a isso juntarmos o esforço de compreender
- três,

dignas de compaixão:
- noventa e nove,

mortais:
- cem por cento,

número que, de momento, não é possível alterar.

 Wislawa Szymborska 
(trad. Maria Sousa) 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

8.5.14


 Havia uma senhora simples
que fazia limpeza 
nas escadas do meu prédio
um dia descobri que lia poemas
e em vez de pegadas
comecei a deixar-lhe letras
nos degraus.

 sophiarui 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

7.5.14


Previsão do tempo 

 Acreditar na vida como acreditamos no boletim meteorológico de todos os dias. Apesar de todas as previsões, profundamente científicas, há sempre uma variável que não controlamos. E por isso temos esperança e desconfiamos. E tal como toda a gente, aprendemos que há que saber sair de casa esquecendo deliberadamente o guarda-chuva. 

  Ricardo Marques

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

6.5.14


Estou aprendendo a conviver comigo mesma, sem querer agradar ninguém. Faço só o que o meu coração mandar, não tenho pressa de chegar, nem medo de ficar. O presente e o futuro eu vivo agora. A minha luz sou eu, no meu caminho só a minha sombra.

   Vera Queiroz

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

5.5.14


Pontuação subjetiva

Não me defino
pois quando
não estou entre parênteses
estou entre aspas
exclamação perene
interrogação absoluta
atolada em reticências...
adjetivada entre vírgulas
levito nas entrelinhas
até me reduzir ao ponto final
ou não...

 Úrsula Avner 

 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

4.5.14


Meninas 

As meninas são todas como eu:
a guardar astros que serão bordados,
a recolher os olhos deslumbrados
depois de uma viagem pelo Céu.

E vestem blusas para esperar a tarde
que há-de surgir ao fundo da vereda
e crispam dedos de sonhar a seda
que a tarde trouxe e na cantiga arde.

Fincam braços no chão do parapeito
e debruçam o corpo para a lua
e temem vultos negros para a rua
e sentem fogo a iluminar-lhe o peito.

E deitam-se nas camas encantadas
e olham luar correndo nas campinas
e são felizes porque são meninas
e porque a vida as vai fazer mudadas.

 Natércia Freire

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

3.5.14


exercícios para endurecimento de lágrimas 

chegas de novo a casa
e guardas do tempo a fuga
marcas outra vez os dias
para abrir feridas

como se viesse dos pássaros a acusação
de não saberes medir esquecimentos

respiras até à dor para não sentires mais nada

 maria sousa

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

2.5.14


Criança desconhecida 

Criança desconhecida e suja brincando à minha porta,
Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos.
Acho-te graça por nunca te ter visto antes,
E naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança,
Nem aqui vinhas.
Brinca na poeira, brinca!
Aprecio a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.
 
O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas.
Brinca! pegando numa pedra que te cabe na mão,
Sabes que te cabe na mão.
Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior?
Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar à minha porta.

Alberto Caieiro

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

1.5.14


Respiração 

às vezes
conhecemos alguém
que nos deixa sem respiração
e
temos medo
de voltar a respirar
sabendo
que ao fazê-lo
tudo pode mudar
e
queremos ficar presos
para sempre
a esse momento
em que tudo
parece tão perfeito
e certo
mas
não temos alternativa
a não ser
respirar de novo
e fazê-lo outra vez
até
que chegue o dia em que
já não o conseguimos fazer
e
podemos ter a esperança de que
entre esses momentos
a pessoa
que em tempos nos roubou a respiração
volte a fazê-lo
uma e outra vez
prometendo
sempre devolver-no-la
embora
planeando sempre
roubá-la
mais uma vez.

 Thomas Brown

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨