"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

28.4.12



_ para dizer adeus _

foi ele ...
quem plantou esse embondeiro dentro de mim
ensinou-me a beber do sumo para engordecer alma
no tempo em que a vida corria azul sobre nossos dias

foi ele...
quem colocou em minha boca esse gosto de geografias
essa fome insaciável por descobrimentos de terras longínquas

foi ele...
quem escreveu minhas cartas de navegação
e esse querer absoluto de ser mar e navio

agora...
com um precipício dentro do peito
quando ausência ultrapassa o grito
quando a lua envelheceu
quando extinta a primavera

quem juntará meus fragmentos:_como puzzle?

por todos os deuses:
amordacem as sirenes
aquietem os sinos do convés
apaguem o marulho das vagas
calem esse silêncio salitre do adeus

quero somente cerrar as pálpebras dessa dor
quero purgar-me nas sombras do meu baobá
quero sangrar os versos até o suspiro final da poesia:
- porque para a morte não há metáfora!

Ana Merij

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26.4.12



Vim
buscar o que perdi
no espanto do dia

Nem que seja

seu silêncio

Fernando Moreira Salles

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25.4.12



Uma espécie de vazio

A imagem estendia-se
com surpreendente realidade

Pensei: é a montanha
que nunca tinha visto

Como nessa manhã
em que o seu perfil me surpreendeu

a sua imanência

Agora não me importa
porque me esvaziei

Não obstante sinto a falta
a intensidade dos meus pertences

Sinto um vazio
uma espécie de vazio

mesmo na luz
iridiscência

- malvas laranjas -

da inapreensível realidade.

Yolanda Pantin

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22.4.12



Vou-me embora...

Conto até cem e, se não chegares antes dos cem, vou-me embora. Não chegaste antes dos cem. Conto de cem a um e, se não chegares antes do um, vou-me embora. Não chegaste antes do um. Conto dez automóveis pretos e, se não chegares antes dos dez automóveis pretos, vou-me embora. Não chegaste antes dos dez automóveis pretos. Nem antes dos quinze taxis vazios. Nem antes dos sete homens carecas. Nem antes das nove mulheres loiras. Nem antes das quatro ambulâncias. Nem sequer antes dos três corcundas e, entretanto, começou a chover.

António Lobo Antunes

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17.4.12



Ego

eis-me aqui
diante do espelho:
um nonsense

face
&
disfarce

eis-me aqui
um contra-senso

reflexo
&
avesso

eis-me aqui
ante meus versos:
uma antí­tese

imagem
&
miragem

a bem da verdade
reconheço o que viso:

um oásis de vaidade
pregando no deserto

eis-me aqui:

narciso
&
eco

Valéria Tarelho

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16.4.12



Deste-me a intempérie,
a leve sombra da tua mão
a passar pela minha cara.
Deste-me o frio, a distância,
o café amargo da meia-noite
entre mesas vazias.

Julio Cortázar

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14.4.12



Seria agradável estar bêbeda:
infiel à minha língua e mãos,
desistindo de limites
pelo heróico gin.
Bêbeda de morte
é a expressão em que estou a pensar,
insensata,
nem fria nem quente,
sem cabeça ou pé.
Estar bêbeda é ser íntima de um louco
vou tentá-lo brevemente

Anne Sexton

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13.4.12



E é meu, o vazio…

Íngremes escadas as que levam ao sótão…
E a velha arca… sempre tão plena de tudo
O que foi…
Relíquia sem preço…
E lá fora o Sol!
Estalam as tábuas do soalho em que ajoelho…
Tudo mudado… tudo tão velho…
O passado em que me revejo com Luz
Longe do presente …
E o Céu não sente…
Mente quem diz que o sol ilumina
Essa criança, mulher… ou menina?
Entro dentro da velha arca…
Não tem senão a marca
Dos tempos idos…
Ali permaneço respirando
Tesouros perdidos…
Sou… e me encontro!
Fecho-me dentro do escuro
Digo adeus ao Sol,
E é meu, o vazio…
Que por ser assim, cheio de nada… é puro!

BlueShell

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12.4.12



É uma e trinta
meio corpo debruçado
sobre a vida inteira. Despercebida
uma estranha câimbra que nasce
nas pernas.Brilha o que
resta da lua. Os meus vazios
procuram ritos, as minhas solidões
estão sobre os sapatos
que descalcei
porque me cercava a sua pressão.
Estou inteira como a vida que olho
como a vida que me deixa
me deixa meio corpo debruçado
sobre ela.

Concha Garcia

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11.4.12



Tenho ausências. Tenho o espírito ausente, onde está o espírito quando fica ausente? Aqui o espírito está ausente em toda a parte, posso sentar-me em toda a parte, posso sentar-me onde quiser, saborear o passar da mão pelos móveis, não me faltaria tempo para regozijar por me ter escapado e achar-me de novo nesta ausência.

Ingeborg Bachmann

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10.4.12



Aos poucos um corpo, como diz o outro,
vai ficando sozinho, bate com as portas,
recua e recua. Quando dá por isso,
já não sabe dançar, conta as estações
pela volta do correio. Assim se começa
a olhar para trás, por cima do ombro,
pegando nas coisas pelo lado mais fraco.
Pagamos o preço de querer dissecar,
fibra por fibra, em prol da ciência,
o músculo baixo, descoordenado,
a que chamamos ai coração ai.

José Miguel Silva

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9.4.12



Cartas a uma desconhecida

Quando passarem os anos, quando passarem
Os anos e o ar tiver cavado um fosso
Entre a tua alma e a minha; quando passarem os anos
E eu for apenas um homem que amou,
Um ser que se deteve um instante diante dos teus lábios,
Um pobre homem cansado de andar pelos jardins,
Onde estarás tu? Onde
Estarás, ó filha dos meus beijos?

Nicanor Parra

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8.4.12



Canção de Outono

Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.
Sufocado em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.
Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido...

Paul Verlaine
(trad. de Alphonsus de Guimaraens)

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7.4.12



Verdade

Caiu a máscara...

Não que ela usasse máscara
Na verdade, era mais uma pétala fina
Que encobria sua face
Face límpida
Olhos negros
Ela ficara nua diante seus sentimentos
A respiração agora era outra
O tom da voz também
E o corpo estava menos tenso
Acho que ela tirou a vida dos ombros...
E pôs de volta no coração.

Dafne Stamato

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5.4.12



Aposto

O meu coração tem muitos quartos despidos de tão vazios nada lá cabe. Durmo todas as noites num quarto diferente procurando-te ou fugindo-te não decidi ainda. Um dia escondi-me atrás dos batimentos no teu peito e pensando-me ausente partiste. Agora divido-me por essas noites e pelos dias nos quartos cheios de velharias.
Aposto que estás algures nos corredores.

Pedro Jordão

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4.4.12



Espaço

Passo no espaço
Do compasso
Que sobra de mim;
me faço esquadro
no compasso
das horas
e nos sonhos
me desfaço
em pontos
e me recomponho
juntando os pedaços!

Enice de Faria

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2.4.12



Dizer-te

Como dói
esta calma impensada
esta perfeita geometria
esta arquitectura
esta precisão
com que lentamente
constróis
um mundo sem mim

Javier Galarza

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1.4.12



Pedido

Olha para mim sei que cresci
mas não deixa de procurar a menina
aquela que se esconde no meu olho
aquela que guardo
inteira
dentro de mim
Esquece o efêmero.
O que (re)cobre tudo é massa de moldar
trans/formada pelo tempo.

Eliana Mora

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