"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

30.11.11



Existe uma solidão que pode ser ninada. Braços cruzados, joelhos dobrados; segurando, continuando, esse movimento, ao contrário do balançar de um navio, acalma e contém o que vai e vem.

Há também a solidão que vaga. Nenhum balanço pode contê-la. Está viva, sozinha. Uma coisa seca e disseminada que faz com que os passos de uma pessoa que anda pareçam vir de muito longe.

Toni Morrison

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27.11.11



Não adiantava podar, regar, replantar. A vida dela já era raiz morta. Ramificações apodrecidas. Caule comido por cupins. Folhas arrancadas por criança maldosa. Não adiantava colocar no canto da janela, debaixo do sol, forçar fotossíntese. A vida dela era fruto bicado por passarinho, maçã caída na grama molhada. Vaso novo não resolveria, nem jardinagem de última geração, para viver de novo, ela sabia: só voltando a ser pequena semente.

Eduardo Baszczyn

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26.11.11



Dói

Dói,
não mais poder tocar o ontem.
Enxergar o passado,
na contramão do presente.

Dói,
falar de sentimentos.
Suturar com palavras,
o corte profundo na alma...

Bruno de Paula

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25.11.11



Dei um passeio

Passei por uma esquina. Não gosto de passear em vão, só vou se precisar mesmo de alguma coisa. Ver o que há para ver, despachar o assunto, mas andar por andar, não ando. Só por andar, isso não. E também não gosto de quebrar nada. Hoje caminhei um pouco até a esquina, depois regressei, continuei a caminhar, depois voltei para casa, fui até a cozinha, tirei um copo do armário, não me perdi, tirei-o e lancei-o para o chão. Não faço cenas. Primeiro segurei-o, mas logo o deixei cair. Tudo isto aconteceu hoje. O som ecoou muito longe.

Endre Kukorelly

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24.11.11



Habitamos
uma casa quando
a sombra dos nossos gestos
fica mesmo depois
de fecharmos a porta.

Margarida Ferra

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23.11.11



Quando desaparecer
hei-de pedir à noite que me consuma com ela
que me devaste a alma
não quero mais
quero desaparecer na noite
e só de noite consumir-me.

António Gancho

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22.11.11



Adio o convite, provoco
a demora, deixas que escolha
todas as coisas. É depois
o lamento, quase o entardecer
da idade. Despeço-me mas sei
que nunca aí estive.

Só agora sei
que te perdi. Há tanto
tempo disseste
venho já . E ainda
aqui te espero
entre as velhas flores
e o pó da madeira
caindo.

Helder Moura Pereira

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21.11.11



Uma fonte, uma asa...

Os anos passam… Já vai sendo tempo
De pensar na Viagem.
Irei bem ou enganei-me? Este caminho
É verdade ou miragem?

Procuro em vão sinais. Em vão persigo
As horas silenciosas.
De olhos abertos, cega, vou andando
Sobre espinhos e rosas.

Errada ou certa é longa a caminhada,
Longo o deserto em brasa.
Ah, não fora, Senhor, esta esperança
De uma fonte, uma asa!

Fonte, Senhor, que mate a longa sede
Desta longa subida.
Asa que ampare o derradeiro passo
No limite da vida.

Ah, Senhor, que mesquinhas as palavras!
Vida ou morte, que importa?
Para entrar e sair a porta é a mesma:
Senhor, abre-me a porta!

Fernanda de Castro

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20.11.11



La Campanella

Aquela senhora toca um piano,
as teclas ágeis ondulando em mimos,
em vibrantes sinos delicados.
Imersos cada qual em sua hstória,
uma sintonia de repente nos toma,
uma arte - um rio profundo sem corte,
um outro azul que nos sonha.

Fernando Campanella

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19.11.11



Sinopse

E…
Eu... naufraga num rio de tecido fino
Como se eu própria fosse o palco
Gritando em voz rouca que desça o pano
Num desencanto da peça
Que em mim resta,
Na queda do derradeiro raio de sol
Que andou na minha boca!

Assiria

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18.11.11



Esqueço do quanto me ensinaram

Deito-me ao comprido na erva.
E esqueço do quanto me ensinaram.
O que me ensinaram nunca me deu mais calor nem mais frio,
O que me disseram que havia nunca me alterou a forma de uma coisa.
O que me aprenderam a ver nunca tocou nos meus olhos.
O que me apontaram nunca estava ali: estava ali só o que ali estava.

Alberto Caeiro

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16.11.11



Frágil Ser

Não me olhes
Teus desejos podem cumprir-se
Não me veja
Posso te permitir
Não me indagues
Posso te responder em sim
Não me decifre
Posso não fugir de tuas indagações
Não me encante
Posso permitir a não solidão
O porque não...

Leslie Holanda

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15.11.11



À boca da noite

Não olhes: é a noite
completa que tomba.

Não olhes: é a estrada
que, súbito, acaba.

Não olhes: é o anjo,
teu anjo que chora.

Não olhes.

Emílio Moura

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14.11.11



Formas

A lua e as estrelas,
o sol e os alabastros,
as cicatrizes de Deus
e as mulheres nuas
são formas puras do amor
que reconheço,
são como cactos
que me ferem os olhos
na distância,
tais os mistérios densos,
as perdas preciosas,
a dor de não viver a vida
presa na garganta.

Dimas Macedo

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12.11.11



Paz

Hoje
quero
deitar a minha cabeça
no teu colo
peço
que a afagues.
Ensina-me
uma oração
que cure as dores da alma
e dá-me
somente um pouco
da tua paz
que não a quero toda.

Maria José Meireles

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11.11.11



Tempo

Tece a teia
a tecedeira
atenta
a cada fio
que cruza
tem nos dedos
toda a vida
que à alma
se recusa

Luísa Veríssimo

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10.11.11



Tango

Um tango me persegue desde a infância
no canto, no piano, na memória
e se me impõe à voz, timbrando vário
ao prolongar em mim a sua essência
nos dedos de meu pai sobre o teclado.
Não somente: transporta desde longo
tempo escrita do pai, letra de tango
no papel sempre então visto e relido.
Um tango me persegue: sua marca
é o realejo crepuscular que sinto
na imaginação rodando lento
e quanto mais passado mais se acerca.
E letra e pai e som, tudo afinal
gira ao compasso do tango fatal.

Fernando Py

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9.11.11



Chegando em casa

Chegando em casa
com a alma amarfanhada
e escura
das refregas burocráticas
leio sobre a mesa
um bilhete que dizia:

- hoje 22 de agosto de 1994
meu marido perdeu, deste terraço:

mais um pôr de sol no Dois Irmãos
o canto de um bem-te-vi
e uma orquídea que entardecia
sobre o mar.

Affonso Romano de Sant'Anna

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6.11.11



Não me acordes

A noite deita-se comigo
na fenda do tempo

Os dedos do luar
penteando os cabelos do sonho

Oh, meu amor
podes passar pelo meu sonho
podes ficar no meu sonho
mas não me acordes

Yao Jingming

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5.11.11



Duas

Somos duas
Não gêmeas, ambas fêmeas,
Somos duas.
Uma destra, outra sinistra,
Uma levada, outra anarquista.
Uma sofisticada, outra caseira,
Uma bem amada, outra presepeira.

Somos duas.
Uma que ama, outra que reclama.
Uma que vence, outra que convence.
Uma que estuda, outra arquiteta.
Uma selvagem, outra irrequieta.

Somos duas.
Uma te quer, outra te repele
Uma é mulher, outra mademoiselle.
Uma sente muito, outra é prisioneira.
Uma guarda tudo, outra é fuxiqueira.

Somos duas.
Uma livre, libertina.
Outra simples, na cozinha.
Uma ardente, sensual.
Outra silente, casual.

Somos duas
Somos opostas
Somos compostas
Somos dispostas
A ser uma só.

Lílian Maial

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4.11.11



Relíquias

Abri o armário do passado
entre guardados de recordações
encontrei a inutilidade de uns
e tesouros de saudades.
Recordei ora o sorriso a felicidade
ora as decepções as tristezas
aos pouco jogados ao chão
rasgados amassados.
Fui limpando a alma.
Sobre a mesa
as relíquias esquecidas.
Abri o armário do passado.
Fiz faxina.
O presente tornou-se promissor, leve...
Sigo a vida.

Maria Clara Segobia

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3.11.11



Sinto demais...

O Tempo faz e desfaz…
O Tempo leva e não traz!

E eu sinto que sinto demais…
Emaranhado de sentires pintados
em telas comidas pelos dias que ruíram
sob o peso do ser…
Sou teia frágil que prende a saudade
Com a força do muito querer!

BlueShell

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