"A todos os visitantes de passagem por esse meu mundo em preto e branco lhes desejo um bom entretenimento, seja através de textos com alto teor poético, através das fotos de musas que emprestam suas belezas para compor esse espaço ou das notas da canção fascinante de Edith Piaf... Que nem vejam passar o tempo e que voltem nem que seja por um momento!"

30.11.09

Fênix

Sutil leveza,
de sombreado sótão,
de escuridão, ânsia e tristeza,
permeava a alma em labirintos.
Formatada de coração e carinho,
só se achava,
voejando saídas
na própria pele partida
como exaurida Fênix,
de luz carente, só, silente...
Alada ave expandida,
das cinzas
compartilhada luz,
Renascia...

Gaiô

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

29.11.09

Diz-me...

Desenha com a ponta dos teus dedos
as fronteiras exactas do meu rosto
as rugas os sinais a cicatriz que ficou da infância
o lento sulco das lâminas onde no peito
se enterra o mistério do amor

e diz-me

o que de mim amaste noutros corpos
noutras camas noutra pele

prometo que não choro mas repete
as palavras um dia minhas que sem querer
misturaste nas tuas e levaste
com as chaves de casa e os documentos do carro
- e largaste sobre a mesa com o copo de gin a meio
na primeira madrugada em que me esqueceste.

Alice Vieira

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

28.11.09

O meu coração

A tarde avança em lençóis de fumo
e tu não bates à minha porta.
Enrolo um cigarro de lume para acabar com a dor.
Tenho os ouvidos lá fora e o corpo atento
O meu coração é um bandido sem navio nem marés
Perdidos os mastros não sabe gritar.
Por isso sou apenas um retrato
Sem perfil nem disfarce.
A tarde é uma égua e a tua demora uma navalha.

Isabel Mendes Ferreira

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

27.11.09

Coração composê

Vista-se
De amor por mim
Só assim,
Eu me visto de você...

Enise

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

26.11.09

Hoje vou para o mercado velho expor o meu corpo em pedaços
cada um bem identificado por uma etiqueta com nome e valor
tenho esperança de realizar uma boa transacção há tanta coisa lá
para trocar pelos pedaços ainda em bom estado deste meu corpo
inteiro não tem muita utilidade mas assim a retalho é precioso
em particular a mão direita o crânio o sexo o coração
oxalá ninguém queira comprar por atacado todos os pedaços
é que não sei onde guardei as instruções de montagem.

Carlos Alberto Machado

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

25.11.09

Rosa Chá

Já não me domino.
Nem a vida em minha volta,
nem à tarde que se solta,
nem tão pouco as horas...
Nada me obedece.

Meu lápis,
outrora passivo
e agora animado...
vai e vem sem crivo
no papel desbotado.

E eu,
que resmungava de tudo,
me pego a dançar mudo
e a sorrir na tua rua,
na esperança nua
de te ver na janela.

E você... à espreita,
no fim da tarde perfeita
se confunde no horizonte
a despencar além do monte,
e gargalha do meu desejar.

E assim,
sem piedade de mim,
como vil e sem clemência
me revela a transparência
do teu veneno que só há
em teu vestido rosa chá.

Anderson Julio Lobone

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

24.11.09

aprendi com as flores
o que Narciso
não aprendeu com o lago

a beleza é tão efêmera
quanto frágil

tão superficial
quanto volátil

tão banal
quanto conceitual

tão sedutora
quanto dissimulada

sim...
foram as flores
que me ensinaram

a crueldade

do tempo
e do vento

Paulo

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

23.11.09

Coisas simples

Sobre a mesa de pinho
uma taça de vidro

Lá dentro
uma castanha brava
um tronco de alfazema
colhido no quintal
uma folha de choupo
que me bateu à porta
uma bolota que chegou do sul
uma falha de xisto
um pedaço de lava do vulcão
uma minúscula rosa do deserto
uma vieira um búzio
uma estrela do mar

Tudo tão simples

A natureza veio à minha casa
descansar

Licínia Quitério

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

22.11.09

A feminina nuca

Os cabelos
enrolados
despiam-lhe a nuca
expondo a penugem
e a raiz das melenas.

Vislumbrei
o pescoço de uma garça
e o seu branco córrego,
vórtice sensual.

Altiva e grácil
a silhueta
tornara-se
deleite e súplica.

E o que mais fosse
seria despenhadeiro;
e o que mais falasse
era rubor, era entrega.

Waldir Pedrosa Amorim

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

21.11.09

Relíquias

Nesta velha caixinha abandonada,
que a ação do tempo fez mudar de cor,
retalhos de minh’alma emocionada
guardei, outrora, com carinho e amor...

Relíquias... Eram cantos de alvorada,
e hoje traduzem nostalgia e dor.
Restos mortais de uma ilusão dourada,
vago perfume de sidérea flor.

Ai, tudo o vento do destino leva:
A luz se apaga e, a divagar em treva,
erram lembranças que doridas são!

Na vida é tudo assim! Tudo envelhece
mas, dentro d’alma o sonho não fenece
e o coração... é sempre o coração.

Emiliana Delminda

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

20.11.09

Saio da cama pela fenda do lençol e
fecho-a sobre ti. Toco o chão ao de
leve, como uma ave pousa na pele
das ondas. Visto-me às escuras - tão

mais discreta a blusa do avesso, a saia
tão distraída nas costuras. Vou
para a cozinha de sapatos na mão e

escrevo-te um bilhete: deixei-te um
beijo sobre a tua almofada antes
de sair. Não preciso assinar.

Maria do Rosário Pedreira

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

19.11.09

Ardo-me

Ardo-me por um tango de Piazolla
um soneto de Neruda
um poema de Lorca
encolho-me sob os personagens
de Guimarães
exibo-me às palavras de Luiz
ser não é viver o desejo
é ser o próprio desejo
respirá-lo
expirá-lo
senti-lo no baixo ventre
destilando nas veias
para bebê-lo ardente
direto da boca da alma.

Márcia Leite

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

18.11.09

Teu vulto leve, ao fundo do passado,
Volve-me, ás vezes, um olhar maguado,
Que lembra o luar, por entre nevoas finas.
Ainda tenho, no espelho das retinas,
O parque familiar, e os velhos bancos,
entre tanques azues e jasmins brancos,
Onde a vida juntou, em dias vãos,
As tuas lindas mãos ás minhas mãos.
Onde estás, minha doce companheira?
Como a rosa, que tomba da roseira,
Ficaste numa curva do passado.
Como dóe recordar o tempo andando
Nas manhãs de illusão, nas noites calmas!
Uma lagrima a abrir dentro das almas,
Como um pallido sol num céo de outono,
Um gesto, um longo gesto de abandono,
Um desconsolo, um pouco de saudadinha,
E nisso está toda a felicidade...

Alberto de Oliveira

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Bordados

Hoje,
teço
um estranho manto
para os dias de solidão
a
pérolas de desencanto

(a paixão,
foi um pássaro que emigrou
para os lagos de Avalon)

Cubro-me sem luto
do coração até à alma
com um pouco de tristeza
Recortada a diamante

eterno foi o instante
quase tecido de beleza
lhe coso uns pontinhos
de Amor incrustado
e almiscaradas saudades

Belo manto - desencanto
como o da Senhora do Lago
a ponto-cruz bordado
com as linhas da magia

Tenho a chave!
Tenho o mote
para chegar à outra margem

Tenho a força
e a energia

Sagrada
Tenho também
minha espada de Lancelot

Luiza Caetano

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Amar de Amor, Amor de Amor (III)

Pouco sabeis de mim. Hoje percebo
que o segredo mais puro do que sou
vos é desconhecido. É um arremedo
apenas do que sinto o que vos dou.
Se é receio vos largar o coração,
talvez eu tema. Sei o que é silêncio,
a magia de compor a solidão
uma outra vez. E sei que não convenço
vossa distância em minha entrega. Perto
ou longe, sois limite próprio. Surda
é em vós essa paixão em que desperto
um arrepio que vossa paz perturba.
E intensa me contenho e mais não faço
para atrair-vos ao céu que vos disfarço.

Lupe Cotrim

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Fragmentos

Nada lhe entreguei
do que em mim é puro.
Nem minhas noites insones
nem meus dias inseguros.

Nada lhe falei
de meus temores,
nem dos desabraços,
nem dos desamores.

Ocultei-lhe,
um a um,
os meus fracassos
Dissimulei,
com um sorriso,
o meu cansaço.

Fragmentos de mim
eu lhe entreguei...
E por me camuflar
e me esconder
eu,
que só queria ser amada,
fragmentos de amor colecionei...

Henriette Effenberger

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Sopra um vento entre mim e ti
nascido como todos
quando escavávamos dentro de nós
escavando a distância

foi já tempestade fechada em nevoeiro
hoje é apenas brisa
afrouxada na distância

recebo esse sopro suave como uma carícia
de quem ao largo me acena
enquanto parte

sempre entre nós um vento
ar com que te respiro
enquanto o longe nos escava
a distância

Ana Viana

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Um dia talvez...

Um dia...
quem sabe tenhamos tempo...
Tempo para estar no mesmo lugar,
e pensar os mesmos pensamentos...
Um dia...
quem sabe...
Ainda teremos tempo para nos olhar
e ver quem realmente somos...
E só depois disso,
nascerá em nós a certeza
do que estamos buscando um no outro...
quem sabe...

Enquanto isso não acontece,
fique com um pouco de mim...
o meu poema para você...
Medite sobre ele...
Me sinta por ele...
Me espere... Com ele...

Vilma Galvão

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Em vam apuro a minha fortitude,
Senhora, por vencer o meu Amor.
Debalde o vosso olhar, que assi me illude,
Ao meu denega o bem de seu fulgor.

Que quanto mais de vós se desilude
Meu tino vam, mais eu chego a suppor
Que tal fereza hum dia se desmude,
E que peneis tambem da mesma dor.

Mas he sem cura o mal que anda a pungir-me:
Que, si agora padece este meu ser,
Porque eu vos vejo contra mi tam firme,

O dano de querer-vos sem vos ter,
Em vos sentindo minha, ha de ferir-me
O mal de ter-vos sem vos merecer.

Abgar Renault

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Deixe-me escrever poesias nos azulejos de teu banheiro,
terá a assinatura do meu momento
Quando você tomar banho e o vapor beijar as palavras
talvez restem poucas letras
E talvez estas letras desgarradas formem outras palavras
E assim outros poemas.

A cada visita, uma nova poesia.
Se me faltar criatividade
elejo outro poeta para narrar o momento
E se não encontrar, faço um desenho.
Mas prometo nunca deixar vazios teus azulejos.

Autoria desconhecida

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Desprotegida a noite foi assaltada por memórias
Azul profundo
Carmim
Amarelas
Seus braços abertos se encheram de sono
Seu cabelo solto de vento
Seus olhos de silêncio.

O. Elytis
(tradução Mário Cláudio)

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

17.11.09

Azáfama

Na direção dos pássaros
O caminho se faz descalço

Na dimensão dos pássaros
O ninho se faz encalço

O rugido das asas
É que alça a lealdade que alheia

O sentido das asas
É que calça a liberdade que anseia

Cris de Souza

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

16.11.09

Morro todos os dias

O dia de morrer vive aberto dentro de mim.
Copio das rosas a resignação
Com as hortênsias ensaio tons de roxo que tecerão minha manta
Busco nas árvores a dignidade dos fortes quando tombam
Na alvura dos lírios recolho o branco que há de cobrir minhas faces
Ouço sabiás para escolher a melodia dos prantos
Leio os gemidos das matas agonizando em chamas
Cato semelhanças!
Quero morrer...
com a serenidade de um gerânio...
com a leveza de uma avenca...
com a elegância de um outono...
Apenas um dó... bemol!
Sem sustos
Sem espantos
Sem escândalos
Quero cerrar as pálpebras
com o apaziguamento contido de uma dorme-maria.
Por isto... treino mortes todos os dias!

Ana Merij

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

15.11.09

A cor dos meus dias

Cinza leve de fundo
com um pingo vermelho
de paixão acesa.
Manchas descontínuas
de verde esperança.
Um pouco de azul
em tom de ilusão.
Pinceladas negras
em horas incertas.

Esta é a cor dos meus dias
tinta de óleo em mim pintada
que escorre lenta na tela da vida.

Alice Daniel

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

14.11.09

Deixa que eu te toque
Com um só acorde de guitarra
Deixa que eu te componha nas minhas letras
E os meus dedos percorram a pauta da nossa música
Com uma só voz
com uma só vontade
Deixa que eu cante sussurrando
A melodia mais bela de amor
E te veja dançando nas minhas mãos
Deixa que eu te ouça
Com uma só nota musical
E te agarre,
te envolva e
te toque
Com um só toque
com o acorde da minha guitarra.

Vera Jesus

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

13.11.09

Pensamentos mágicos
que viajam na solidão
feito sombras bailarinas,
fogo preso em lamparinas,
a desvendar palavras sem rimas,
até te achar em minhas noites
entre sombras sensuais,
de uma ausência tão presente,
que me visto de luar
e vivo sonhos irreais.

Sônia Schmorantz

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

12.11.09

Clave de Sol

Faz música pra mim e coloca em envelopes fechados por língua morna.
Faz versos nas costas da lua.
Dedilha nossos desafinos.
Na areia da praia anoitecida, deita minha ausência e colhe os ruídos.
Oferece na concha das mãos.
Segredos.
Canta baixinho e grita desespero para abafar o silêncio das pausas.
Desatina mariposa, asas de procura nos meus olhos acesos.
Desenha em ponta de agulha sobre a pele e assina o nome por baixo.
Criptografia.
Espera.
Até ouvir meu riso com gosto de maçã a provocar cócegas na saudade.
Ele faz música e promessas bordadas em gaze. Eu sangro.

Ane Aguirre

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

11.11.09

Nenhum dos meus caminhos guarda a tua sombra:
só as minhas mãos ficaram maiores com a tua ausência
e andam perdidas,
não sabendo encontrar-se uma com a outra.

O ventre de cada dia é um espelho a recordar-te
- um espelho onde o meu rosto não cabe -
e eu avanço, petrificado de silêncio,
como se me chamasses,
tendo-te cada momento mais distante
nas asas cansadas dos olhos sonolentos.

Se descendo minhas pálpebras prendesse a tua imagem,
jamais amanheceria para mim.
Se as minhas mãos decepadas pudessem encontrar-te,
dar-te-ia minhas mãos como espada para o teu regresso.

Assim, gasto-me nos longos túneis desta ânsia,
certo de que jamais
estarei presente para ti
em cada estrela que descobrires na noite.

José Bento

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

10.11.09

Concerto para piano a duas mãos

Há um vitral de luz no meu olhar
Um reflexo de voz quente e doce ...
Ao longe o rio percorre um destino sem limite ou definição
E, na neblina transparente que o envolve
Desenha-se um beijo, um gesto ou um desejo

Não há tempo no tempo que passa
E a tarde avança de mãos dadas com o dia
Como se não existisse noite

Como se houvesse fogo no meu cabelo
Ou um desejo louco de te beijar....
Como se a neblina se deixasse apenas existir ao longe sobre o rio...

E, subitamente como o bater de asas de uma gaivota que passa,
Como se na voz não houvesse som ou no olhar calor,
A tarde abandona o dia, sem tempo para a neblina ou o rio...

PTT

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

9.11.09

Inventário (II)

Avó, que pretendias
com as letras escritas,
que palavras dizias avó,
qual a mensagem
que este ouvido perdeu?
Foste tu ou fui eu
avó, quem distraiu
e o trato não cumpriu?
E se estavas calada
tu não dizias nada
ou era erro meu?

Avó, quando morreste,
quem morreu?...

Renata Pallottini

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

8.11.09

Não fosse a vida um fardo,
não fosse a dor um caldo amargo,
não fosse o desespero um último trago...

Teu nome foi aprendiz.
Tinhas a alma por um triz,
pedaços que colei,
cascalhos de esmeraldas que juntei.

Vi verdade onde havia vaidade.

Vi a cor verde em sede
brilhando no azul da minha parede.
Vi através do que deixastes entrever...

Olhei com meus olhos sem fel
e vi você, sempre vi mel...

Sempre soube você,
em todos os seus versos,
em todas as promessas.

Perverso, complexo,
adverso, convexo,
como um canto de cor
ecoado nesse sem nexo.

Como o suspiro do fim do sexo.

Ah! Poeta...

A mágoa é funda.
A dor é crua e surda.

E não me chames de desembestada.

Na verdade, se não for para dizer sim,
não diga nada.

Deixa que me cure, quieta, calada.
Deixa que ardo, sozinha
e por ti e por mim.

Deixa largado...

Matilda Penna

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

7.11.09

Vazio...

Casa vazia.
Vozes caladas.
Rua triste,
sem movimento.
Ninguém na calçada.

Coração aflito,
Coração partido,
Coração pedindo...
conversa...
agito,
pessoas alegres,
euforia!

Não ouço barulho na sala de estar!
... Onde tudo foi parar?

Lúcia Simões

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

6.11.09

Quem sou?!...

Sou um ponto de interrogação ambulante,
buscando respostas para tantas inquietudes.
Por mais que meu coração deseje,
abrandar-se dos desejos que assomam,
ainda lutam dentro de mim,
um plácido lago de águas calmas,
e mais ao fundo, um vulcão ameaçando explodir.

Guida Linhares

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

5.11.09

Ah, destino
enquanto te debulhas em marcar
o meu próximo passo,
um pássaro me oferta suas asas
e o sol arrefece seus raios
para me ver alçar vôo.

E quando penso que enfim driblei
a tua fúria, tu, agasalhado na
imponderável sina, não respeitas
o meu desejo de rasgar as distâncias.
Ris da minha pretensão de querer
arrebentar as amarras
e astuciosamente planejas a minha queda.

E tão bruscamente me fazes enxergar
que era de crepom o pássaro e inconsistentes
as asas, que esqueço de te condenar
e me censuro por sonhar tão alto.

Aíla Sampaio

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Sonho

Queria viver no mundo que sonhei pra mim
mundo onde todas as noites em meu quarto
convenço-me de que tudo não passou de pura poesia.

Queria te achar no mundo em que vivo dentro de mim
onde existe uma cama, uma noite, um céu
e uma hora marcada para te encontrar.

Não passeie por meus olhos,
caminhe por minha alma, perambule por meu corpo.

Deixe-me te ouvir dizendo, como se a última vez falasse
Te amo, te amo, te amo...

Grito aos céus num silêncio mais ensurdecedor
do que o que guardo quando diante de tuas palavras.
E esse eco ressoa mudo quando não alcanço teu mundo.

Karla Julia

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Depois

E agora se inicia
a pequena vida
de uma sobrevivente da catástrofe do amor.
...
Acabo de nascer
do terrível parto do amor.

Já não amo.

Agora posso exercer no mundo
Inscrever-me nele
Sou uma peça a mais da engrenagem.

Já não estou louca.

Cristina Peri Rossi

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

4.11.09

Tomo a noite pela cintura
E dobro-a para trás.
Quando a liberto dardeja brevemente
E deixa cair algumas folhas.
Levo-as à boca
Como se fossem sílabas
Ou remédio possível
Para o sono

Nuno Higino

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

3.11.09

Tenho saudades
do tempo em que
o mundo era pequeno.

Era só ali.

E eu cabia nos ramos
das acácias

e não sabia do longe que existia.

só do perto
que sentia.

Andrea Paes

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

2.11.09

Notando o portão entreaberto,
avancei ao condomínio
cinzento do sol.
Caminhava como uma pedra
caminha quando o pássaro
pousa na pedra.

As sextas,
como de costume,
ia cedo ao jazigo
trocar a roupa de cama
de minha avó.

Fabricio Carpinejar

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
A viagem definitiva

Ir-me-ei embora. E ficarão os pássaros
Cantando.
E ficará o meu jardim com sua árvore verde
E o seu poço branco.

Todas as tardes o céu será azul e plácido,
E tocarão, como esta tarde estão tocando,
Os sinos do campanário.

Morrerão os que me amaram
E a aldeia se renovará todos os anos.
E longe do bulício distinto, surdo, raro
Do domingo acabado,
Da diligência das cinco, das sestas do banho,
No recanto secreto do meu jardim florido e caiado
Meu espírito de hoje errará nostálgico...
E ir-me-ei embora, e serei outro, sem lar, sem árvore
Verde, sem poço branco,
Sem céu azul e plácido...
E os pássaros ficarão cantando.

Juan Ramón Jiménez

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1.11.09

Ouço-os em redor do meu caixão, falando baixinho.
Lamentam-se dizendo que é injusto, tão injusto.
Ficam calados durante uns instantes, talvez olhando
para o chão, talvez perguntando-se que horas serão;
e depois repetem: tão injusto. Alguém diz, pesaroso:
teve uma vida simples e monótona, tão altruísta.
Ninguém responde: e o silêncio incomodando.
Novo lamento: uma vida de sacrifício, para que
fossem felizes. Depois, uma confissão inesperada,
quase inaudível: tanto que a amávamos. E eu no meu
caixão, quietinha. Um pouco surpreendida: amavam-me?
E só agora é que mo dizem?

Paulo Kellerman


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Poema destinado a haver domingo

Bastam-me as cinco pontas de uma estrela
E a cor dum navio em movimento
E como ave, ficar parada a vê-la
E como flor, qualquer odor no vento.

Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio de cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.

Só há espigas a crescer comigo
Numa seara para passear a pé
Esta distância achada pelo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.

Deixem ao dia a cama de um domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre

Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o amor por fim tenha recreio.

Natália Correia

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